2016년 9월 23일 금요일

a mao e luva 16

a mao e luva 16



No meio do longo reflectir, soaram-lhe na memoria as palavras de Luiz
Alves; ella ouviu-as de novo, taes quaes elle as proferira, desde a
phrase descortez até à expressão respeitosa. Uma era o commentario da
outra, e ambas podiam explicar-lhe o caracter de Luiz Alves, se tivesse
alguns elementos mais para conhece-lo; em todo o caso, era a ponta do
veu levantada. Embora se lhe não podesse ler no fundo do espirito,
via-se desde já qual era o seu methodo de acção.
 
Qualquel outro homem, depois do effeito produzido pela primeira
declaração, não se atreveria ou não lhe importaria tentar mais nada
para desfazer o projecto da viagem. Mas o espirito de Luiz Alves tinha
a obstinação do dogue. Era-lhe necessario que a familia da baroneza
não saisse da côrte; este objecto havia de alcança-lo a todo o trance.
Elle espreitava as occasiões, aproveitava as circumstancias, tinha a
habilidade de intercalar o pedido em qualquer retalho de conversação,
onde menos apropriado pareceria a qualquer outro. Jorge applaudia-o com
as forças todas de que podia dispor o seu interesse. A baroneza oppunha
ás suggestões do advogado a resistencia molle e atada de quem deseja
aquillo mesmo que recusa.
 
--O doutor é terrivel, dizia ella. Em se lhe mettendo uma cousa na
cabeça, ninguem mais o tira dahi.
 
--Justamente, é uma ideia fixa. Sem ideia fixa não se faz nada bom
neste mundo.
 
Guiomar sustentava a resolução da madrinha, posto não o fizesse a
miudo, nem no mesmo tom secco e imperioso da primeira noite. Seu
impulso era ser coherente; ao mesmo tempo não queria parecer aos olhos
de Luiz Alves que lhe acceitava o concurso para obter o que aliás
desejava de todo o coração; sería laval-o da primeira culpa.
 
O argumento que mais influia no animo de todos, o que devera ter
affastado a ideia de semelhante viagem, era o perigo de affrontar
o cholera-morbus que por aquelle tempo percorria alguns pontos do
interior. Um dia de manhã soube-se que em Cantagallo havia apparecido o
terrível inimigo. Desta vez Luiz Alves triumphou sem dizer palavra; a
baroneza recuou deante daquelle facto brutal.
 
A viagem desfez-se pois, a contento de todos, salvo talvez de Mrs.
Oswald, que receiava muito da mocidade casadeira da côrte, e dos
bellos olhos castanhos de Guiomar. Mrs. Oswald temia ver surgir a cada
passo um novo inimigo emboscado em algum theatro ou baile, ou quando
menos na rua do Ouvidor, e não via que o inimigo novo podia ser que
estivesse litteralmente ao pé da porta. A sagacidade da ingleza desta
vez foi um tanto myope. A razão é que Luiz Alves, em todos aquelles
seus preliminares, houve-se com habilidade; longe de procurar a moça,
parecia nada haver alterado nos seus sentimentos, nem desejar mudar a
especie de relações que até alli mantinha. Guiomar, entretanto, não
podia deixar de comparar aquella especie de attenciosa indifferença que
havia delle para ella, com as palavras que anteriormente lhe ouvira, e
o resultado da comparação não lhe parecia muito claro.
 
Na noite do mesmo dia em que ficou assentado defferir a viagem para
melhores tempos, achavam-se em casa da baroneza algumas pessoas
de fóra; Guiomar, sentada ao piano, acabava de tocar, a pedido da
madrinha, um trecho de opera da moda.
 
--Muito obrigada, disse ella a Luiz Alves que se approximára para
dirigir-lhe um comprimento. Está alegre! Parece que é a satisfação de
me haver mallogrado o maior desejo que eu tinha nesta occasião.
 
--Não fui eu, disse elle, foi a epidemia.
 
--Sua alliada, parece.
 
--Tudo é alliado do homem que sabe querer, respondeu o advogado dando
a esta phrase um tanto emphatica o maior tom de simplicidade que lhe
podia sair dos labios.
 
Guiomar curvou a cabeça e esteve alguns instantes a perpassar os dedos
pelas teclas, em quanto Luiz Alves, tirando de cima do piano outra
musica, dizia-lhe:
 
--Podia dar-nos este pedaço de Bellini, se quizesse.
 
Guiomar pegou machinalmente na musica e abriu-a na estante.
 
--Era então vontade sua? perguntou ella continuando o assumpto
interropido do dialogo.
 
--Vontade certamente, porque era necessidade.
 
--Necessidade,--tornou ella começando a tocar, menos por tocar que por
encobrir a voz; mas necessidade por que?
 
--Por uma razão muito simples, porque a amo.
 
A musica estacou. Guiomar erguera-se de um salto. Mas nem o gesto da
moça, nem a sorpresa das outras pessoas, perturbou o advogado; Luiz
Alves inclinou-se para o mocho, como a concertal-o, e voltando-se para
Guiomar, disse-lhe graciosamente:
 
--Pode sentar-se-agora; está seguro.
 
Guiomar sentou-se outra vez muda, despeitada, a bater-lhe o coração
como nunca lhe batera em nenhuma outra occasião da vida, nem de
susto, nem de colera, nem... de amor, ia eu a dizer, sem que ella o
houvesse sentido jamais. Não se demorou muito tempo alli; com a mão
tremula folheou a musica que estava aberta na estante, deixou-a logo e
levantou-se.
 
Nestes derradeiros movimentos ninguem reparou; e se alguem pudesse
reparar em alguma cousa, a moça tomara a peito desvanecer todas as
suspeitas. A primeira impressão fora profunda, mas Guiomar tinha força
bastante para dominar-se e fechar todo o sentimento no coração.
 
O que se passou depois, quando, livre de olhos estranhos, pôde
entregar-se a si mesma, isso ninguem soube, a não serem as paredes
mudas do quarto, ou o raio de lua coado pelo tecido raro das cortinas
das janellas, como a espreitar aquella alma faminta de luz. Soube-o,
talvez, o seu espelho, quando no dia seguinte lhe reflectiu o rosto
desfeito e os olhos quebrados. Se foi a meditação nocturna que os
amolleceu e apagou, não o perguntou elle, naturalmente porque o sabia;
mas talvez advertiu comsigo que se eram assim mais bellos, pediam outro
rosto em que caissem melhor. O de Guiomar queria-os como elles eram,
severos, firmes e brilhantes.
 
A baroneza tambem não deixou de ver que a afilhada não accordara com o
mesmo ar do costume; achou-a taciturna e distrahida.
 
--Eu, madrinha? perguntou Guiomar simulando um sorriso de admiração.
 
--Será engano de meus olhos.
 
--Não é outra cousa; estou como sempre, como hontem, como amanhã.
Passei a noite um pouco mal, é verdade; mas o que tive desapareceu
inteiramente. A prova...
 
Guiomar parou neste ponto, chegou-se á madrinha e deu-lhe um beijo.
 
--A prova, continuou ella, é que ainda hoje me acha bonita, não é?
 
--Creança! respondeu a baroneza, dando-lhe uma pancadinha na face.
 
A tranquillidade da moça era simulada; apenas a madrinha voltou as
costas, cobriu-se-lhe o rosto com o mesmo veu. Ella aprendera desde
creança a disfarçar as suas preoccupações.
 
Quanto a Luiz Alves, posto houvesse contado com o seu methodo cru e
abrupto, saiu dalli sem plena certeza do resultado. Esta incerteza
abalou-o mais do que elle suppunha; e foi, sem duvida, a primeira
occasião em que sentiu que a amava devéras, ainda que o seu amor fosse
como elle mesmo: placido e senhor de si. No dia seguinte, Estevão
interrogou-o a respeito de Guiomar.
 
--Creio, disse elle depois de reflectir alguns instantes,--creio que
por ora não deves perder as esperanças todas.
 
 
 
 
XV
 
 
Embargos de terceiro.
 
 
Durante tres dias deixou Luiz Alves de ir á casa da baroneza, estando
aliás a morrer por isso. Entrava porém no plano esta ausencia; era das
instrucções que elle mesmo dera ao seu coração; não havia remedio senão
observal-as.
 
No quarto dia recebeu um bilhete da baroneza que o comprimentava pela
eleição. A mala do norte chegára, e com ella a noticia da victoria
eleitoral. Estava Luiz Alves deputado; ia emfim dar a sua demão no
fabricos das leis. Estevão foi o primeiro que o felicitou; era o antigo
companheiro dos bancos da academia; tanto ou mais do que os outros
devia applaudir aquella boa fortuna. Não lhe escondeu, entretanto a
inveja que ella lhe mettia:
 
--Deputado! suspirou elle. Oh! eu tambem podia ser deputado.
 
Estevão dizia isto, como a creança deseja o dixe que vê no collo
de outra creança,--nada mais. Eram os seus sonhos de outr'ora,
que renasciam taes quaes eram, inconsistentes, vagos, prestes a
dissiparem-se com o primeiro raio da manhã.
 
Luiz Alves apressou-se a ir agradecer á baroneza a felicitação. Guiomar
teve um leve estremecimento quando o viu, mas recebeu-o tranquilla e
risonha, quasi indifferente. O advogado era habil; não a perseguiu com
os olhos; sobre accordar a attenção das demais pessoas, era seguir o
methodo commun. Elle não queria parecer-se com os outros.
 
Guiomar, entretanto, observava-o a espaços, de revez, como a querer
sorprehendel-o; a pouco e pouco, porém, o seu olhar foi sendo mais
direito e firme. O de Luiz Alves era natural e egual como antes era,
como era ainda agora com todos.
 
Ao sair, junto á porta de uma sala, onde acaso a topou, Luiz Alves teve
occasião de lhe dizer esta simples palavra:
 
--Perdoou-me?
 
A moça retirou a mão, que elle tinha presa na sua, e furtou o corpo, ao
mesmo tempo que lhe caiam as palpebras.
 
--Perdoou-me? repetiu-elle.
 
Guiomar retirou-se sem dizer palavra. Luiz Alves esperou que ella
desapparecesse e saiu. A moça, entretanto, ficou irritada por nada lhe
ter respondido, sendo verdade que nada achou nem acharia talvez que lhe
responder; mas arrependeu-se e pensou longo tempo naquillo.
 
Quer dizer que o amava? Quer dizer que estava prestes a isso. A
arraiada branqueava o ceu, tingiria depois o cimo dos montes,
entornar-se-hia emfim pela encosta abaixo, até apparecer o sol,--o sol
contemporaneo de Adão, e do ultimo homem que hade vir.
 
Dalli a dias, entrando Luiz Alves em casa da baroneza, teve a boa
fortuna de encontrar a moça sosinha, na sala do trabalho, d'onde a
baroneza se ausentára cinco minutos antes. Mrs. Oswald achava-se fóra.
Era a hora da tardinha; o dia estava prestes a afogar-se no seio da noite

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