2016년 9월 23일 금요일

a mao e luva 17

a mao e luva 17



Guiomar, mollemente sentada n'uma cadeira baixa, tinha um livro aberto
sobre os joelhos e os olhos no ar. Luiz Alves sorprehendeu-a nessa
attitude meditativa, mais bella do que nunca, porque assim, e áquella
hora, e com o vestido meio escuro que lhe realçava a côr de leite da
face, tinha um quê de gracioso e severo, ao mesmo tempo, que parecia
buscado de proposito para recebe-lo.
 
--Minha madrinha já vem, disse Guiomar logo depois de lhe estender a
mão, que elle apertou e sentiu um pouco tremula.
 
--Talvez daqui a cinco minutos, disse elle; é bastante para decidir o
meu destino. Duas vezes lhe perguntei se me perdoara; pela terceira lhe
peço que me responda; custa pouco uma unica palavra; custa menos ainda,
um unico gesto.
 
A moça olhou algum tempo para o livro que tinha diante de si. A manhã,
porem, era já alta no coração de Guiomar, a claridade intensa, o sol
quente e vivo, por que ella não olhou muito tempo para o livro, nem
hesitou mais do que era natural e exigivel naquella occasião. Dous
minutos depois fez o gesto, um gesto só, mas ainda mais eloquente do
que se ella falasse,--estendeu-lhe a mão.
 
Luiz Alves apertou-lh'a entre as suas.
 
A commoção era natural em ambos; alli estiveram alguns instantes
calados, elle com os olhos fitos nella, ella com os seus no chão. As
mãos tocavam-se e os corações palpitavam unisonos. Decorreram assim
cinco breves minutos. Ella foi a primeira que rompeu o silencio.
 
--Um gesto, um só gesto, e é o meu destino que lhe entrego com elle,
disse Guiomar olhando em cheio para o moço.
 
--Ainda não. Se os nossos destinos se ligarem, estou convencido de que
o meu amor, pelo menos, terá a virtude de a tornar feliz. Mas nada está
feito ainda, e se eu fui breve e apressado na confissão, não o desejo
ser na consagração que lhe peço.
 
Luiz Alves calara-se; a moça olhava para elle como buscando entende-lo.
 
--Sim, continuou elle; melhor é que não ceda a um instante de
enthusiasmo. Minha vida é sua; todo o meu destino está nas suas mãos...
Comtudo, não quero sorprehender-lhe o coração neste momento; no dia em
que me julgar verdadeiramente digno de ser seu esposo, ouvi-la-hei e
seguila-hei.
 
A resposta da moça foi apertar-lhe as mãos, sorrir, e embeber os seus
olhos nos delle. O passo da baroneza interrompeu esta contemplação.
 
Guiomar amava deveras. Mas até que ponto era involuntario aquelle
sentimento? Era-o até o ponto de lhe não desbotar á nossa heroina a
castidade do coração, de lhe não diminuirmos a força de suas faculdades
affectivas. Até ahi só; dahi por diante entrava a fria eleição do
espirito. Eu não a quero dar como uma alma que a paixão desatina e
cega, nem faze-la morrer de um amor silencioso e timido. Nada disso
era, nem faria. Sua natureza exigia e amava essas flores do coração,
mas não havia esperar que as fosse colher em sitios agrestes e nus, nem
nos ramos do arbusto modesto plantado em frente de janella rustica.
Ella queria-as bellas e viçosas, mas em vaso de Sèvres, posto sobre
movel raro, entre duas janellas urbanas, flanqueado o dito vaso e as
ditas flores pelas cortinas de cachemira, que deviam arrastar as pontas
na alcatifa do chão.
 
Podia dar-lhe Luiz Alves este genero de amor? Podia; ella sentiu que
podia. As duas ambições tinham-se adivinhado, desde que a intimidade
as reuniu. O proceder de Luiz Alves, sobrio, directo, resoluto, sem
desfallecimentos, nem demasias ociosas, fazia perceber á moça que elle
nascera para vencer, e que a sua ambição tinha verdadeiramente azas,
ao mesmo tempo, que as tinha ou parecia tel-as o coração. Demais, o
primeiro passo do homem publico estava dado; elle ia entrar em cheio
na estrada que leva os fortes á gloria. Em torno delle ia fazer-se
aquella luz, que era a ambição da moça, a atmosphera, que ella
almejava respirar. Estevão dera-lhe a vida sentimental,--Jorge a vida
vegetativa; em Luiz Alves via ella combinadas as affeições domesticas
com o ruido exterior.
 
Uma vez entendidos, é difficil que dous corações se encubram, pelo
menos aos olhos mais sagazes. Os de Mrs. Oswald eram dos mais finos.
A ingleza percebeu dentro de pouco tempo que entre elles havia alguma
cousa. Interrogar a moça era inutil, sobre perigoso; seria ir, de
coração leve, em busca de odio, talvez. Todavia se ainda fosse possivel
salvar tudo? Guiomar resistiria difficilmente a um desejo de madrinha;
era possível vencel-a por esse lado.
 
Mrs. Oswald concebeu então um projecto insensato, que lhe pareceu aliás
excellente e de bom aviso. O desejo de servir a baroneza e levar uma
ideia ao fim tapou-lhe os olhos de razão. Ella foi directamente a Jorge.
 
--Sabe o que me está parecendo? disse ella. Parece-me que ha mouro na
costa.
 
--Mouro na costa! exclamou Jorge com uma tal expressão de desgosto, que
era facil comprehender o fundo de suspeita já existente em seu espirito.
 
--Nada menos, disse a ingleza; mas um mouro que se póde capturar.
 
E a ingleza expoz um plano completo que o sobrinho da baroneza ouviu um
tanto perplexo. O plano consistia em ir Jorge pedir a moça á baroneza,
em presença della propria. A baroneza, que nutria o desejo de os ver
casados, não deixaria de fazer pezar o seu voto na balança, e era muito
difficil que a gratidão de Guiomar não decidisse am favor de Jorge.
 
--A gratidão... e o interesse, continuou ella; Devemos contar tambem
com o interesse, que é um grande conselheiro intimo. Ella não ha de
querer sacrificar a affeição da madrinha, que para ella vale...
 
--Oh! que triste lembrança! interrompeu Jorge, recuando diante da ideia
de Mrs. Oswald.
 
A ingleza sorriu,--e deixou por mão aquelle argumento; firmou-se porém
no da affeição. Guiomar não se opporia a um desejo da madrinha; era
urgente dar-lhe o golpe. Jorge não se atrevia a sorprehender por esse
meio a acquiescencia da moça; mas acreditava na efficacia delle, e
sobretudo receiava perder a causa. Uma vez que a vencesse, tudo podia
confiar do tempo e do seu amor.
 
O conselho foi seguido pontualmente. De noite, em presença da
baroneza á hora da despedida,--porque elle hesitara a maior parte do
tempo,--praticou Jorge aquelle acto insensato de declarar á moça que a
amava e de lhe pedir a mão. A tia sorriu de contentamento, mas teve a
prudencia de não proferir nada emquanto Guiomar, empallidecendo, nada
dizia, porque nada achava que dizer.
 
O silencio durou cerca de tres e quatro minutos, um silencio acanhado
a vexado, em que nenhum delles se atrevia a reatar a conversação.
A baroneza, pela sua parte, imaginava que os dous estavam emfim
entendidos, e que a declaração era autorisada pela moça. O enleio de
Guiomar não era dos que podessem dar cabimento a esta supposição; mas a
boa senhora via com os olhos dos seus bons desejos.
 
--Pela minha parte, declarou emfim a baroneza, não me opponho;
estimaria muito que acabassem por ahi. Mas é negocio do coração; devo
esperar a resposta de Guiomar.
 
E voltando-sa para a afilhada:
 
--Pensa e resolve, minha filha, disse ella; e se fores feliz, sel-o-hei
ainda mais do que tu.
 
Duas vezes pairou a negativa nos labios da moça; mas a lingua não se
atrevia a repellir a palavra do coração. No fim de alguns instantes:
 
--Reflectirei, respondeu ella beijando a mão a madrinha; e continuou
voltando-se para Jorge:--Boa noite! Até amanhã.
 
 
 
 
XVI
 
 
A confissão.
 
 
Na mesma noite em que Jorge, cedendo ás suggestões de Mrs. Oswald,
tentava o ultimo recurso que no intender da ingleza havia, achava-se
Luiz Alves em casa, commodamente sentado n'uma poltrona de couro,
defronte da janella com os olhos no mar e o pensamento nas suas duas
candidaturas vencidas. Meia noite estava a pingar; uma pessoa descia de
um tibury e batia-lhe á porta.
 
Era Estevão.
 
Luiz Alves naturalmente admirou-se de o ver alli áquella hora; mas
Estevão explicou-lhe tudo.
 
--Venho passar meia hora comtigo, ou a noite toda se quizeres. Estava
em casa aborrecido, a pensar... bem sabes em que...
 
--Nella? interrompeu Luiz Alves.
 
--Agora e sempre.
 
Luiz Alves torceu o bigode, e olhou tres ou quatro vezes para o
collega, em quanto este tirava o chapeu e dispunha-se a ir buscar uma
cadeira para sentar-se ao pé do outro.
 
--Estevão, disse Luiz Alves depois de algums instantes de reflexão, e
voltando a poltrona para dentro, ouve-me primeiro e resolverás depois
se ficas a noite ou se te vás embora immediatamente. Talvez escolhas
este ultimo alvitre.
 
--Vás falar-me de Guiomar?
 
--Justamente.
 
Estevão sentou-se defronte de Luiz Alves. Seu coração batia appressado;
dissera-se que toda a sua vida pendia dos labios do amigo. Houve um
instante de silencio.
 
--Nenhuma.... nenhuma esperança então? murmurou Estevão.
 
--Disseste a fatal palavra! exclamou Luiz Alves. Sim, não tens nenhuma
esperança.
 
--Mas.... como sabes?
 
--Não me interrogues; eu não poderia dizer-te tudo o que ha. Poupa-me,
ao menos, esse triste dever.

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