2016년 9월 23일 금요일

a mao e luva 20

a mao e luva 20



Mrs. Oswald, disse a baroneza, vá ver se ja deram de comer aos
passarinhos.
 
A ingleza percebeu que estes passarinhos, naquelle caso, eram uma
pura metaphora, e que a baroneza nada mais fazia do que pedir-lhe
delicadamente que se fôsse embora. Todavia, não se deu por achada.
 
--Parece-me que não, disse ella; vou já saber disso.
 
--Olhe, disse a baroneza quando ella já ia a meio caminho; encoste-me
essas portas, e dê ordem para que ninguem nos interrompa.
 
A ingleza obedeceu e saiu. A careta que fez ao sair ninguem lh'a pôde
ver, e não se perdeu nada.
 
As duas ficaram sós.
 
--Senta-te aqui, Guiomar, disse a baroneza indicando um banquinho que
lhe ficava aos pés.
 
Guiomar deixou a cadeira e foi sentar-se no banquinho, pousando
amorosamente os braços nos joelhos da madrinha. Esta cingiu-lhe a
cabeça com as mãos, e assim esteve longo tempo sem falar, mas eloquente
naquella mudez, em que a palavra pertencia ao coração. Ambas estavam
commovidas; e Guiomar, de envolta com um suspiro, murmurou este unico e
doce nome:
 
--Mamãe!
 
Era a primeira vez que ella lhe dava este nome, e tão fundo lhe calou
na alma á baroneza que a resposta foi cobril-a de beijos.
 
--Sim, tua mãe, disse a madrinha; a que te deu o ser não te amaria mais
do que eu. Tens a alma e a ternura da filha que o ceu me levou, e se
todas as mães que perdem filhos podessem substituil-os do mesmo modo,
desapparecia do mundo a maior e mais cruel dor que ha nelle...
 
A resposta de Guiomar foi apertar-lhe as mãos e beijar lh'as. Seguiu-se
uma pausa, em que a commoção a pouco e pouco desappareceu, e a baroneza
olhou para a carta de Luiz Alves, amarrotada pelo gesto de Guiomar.
 
--Guiomar, disse ella emfim, já reflectiste no pedido de hontem á noite?
 
A moça esperava que a madrinha lhe falasse no pedido de Luiz Alves; a
pergunta da baroneza desnorteou-a um pouco. Sua intelligencia, porém,
era clara e sagaz; a resposta foi outra pergunta:
 
--Uma noite será bastante para decidir de todo o resto da vida? disse
ella sorrindo.
 
--Tens razão, minha filha; mas a pergunta era natural da parte de quem
quer ver realizado um desejo. Jorge pediu-te em casamento. Sabes que é
um excellente caracter?
 
--Excellente, respondeu a moça.
 
--Uma boa alma, continuou a baroneza, e um moço distincto. Parece
gostar muito de ti, segundo disse hontem, não? É natural; só me admira
que não te amem muitos mais.
 
A baroneza parou; Guiomar brincava com as franjas da manga sem se
atrever a levantar os olhos.
 
--Deves saber, continuou a baroneza,--que eu estimaria ver que este
casamento se effectuasse; estou convencida de que te faria feliz, e
a elle também, pelo menos tanto quanto é possivel julgar das cousas
presentes... Que diz o teu coração?
 
E como Guiomar não respondesse logo:
 
--Ah! esquecia-me do que me disseste ha pouco. Uma noite não é bastante
para decidir de todo o resto da vida. Bem; ouvir-me-has mais duas
cousas. A primeira é que... Lê tu mesma esta carta.
 
A baroneza deu a carta a Guiomar, que a abriu e leu o pedido que Luiz
Alves fazia de sua mão. Em quanto ella percorria com os olhos as poucas
linhas escriptas, a madrinha parecia observa-la fixamente, como a
tentar ler-lhe no rosto a impressão que o pedido lhe fazia, se espanto,
se satisfação. Não houve espanto nem satisfação apparente; Guiomar leu
a carta e entregou-a á madrinha.
 
--Leste? É a primeira cousa que eu queria dizer-te. O Dr. Luiz Alves
pede-te em casamento; tens de escolher entre elle e Jorge. A segunda
cousa é que dos dous pretendentes Jorge é o que meu coração prefere;
mas não sou eu que me caso, és tu; escolhe com plena liberdade aquelle
que te falar ao coração.
 
Guiomar erigiu o busto e olhou direitamente para a madrinha, com taes
signaes de espanto no rosto, que esta não poude deixar de lhe perguntar:
 
--Que tens?
 
A moça não respondeu; quero dizer não lhe respondeu com os labios;
travou-lhe da mão e apertou-a entre as suas, e ficou a olhar para
ella como a reflectir. A expressão de seu rosto passara do espanto á
satisfação e desta a uma cousa que parecia a um tempo indignação e asco.
 
--Oh! madrinha! exclamou Guiomar, porque se não entenderam logo os
nossos corações? Não havia mister pôr de permeio um espirito importuno
e desconsolador. Se eu advinhara essas palavras que acabou de dizer,
não teria padecido metade do que me fazem padecer ha longos dias...
 
--Padecer?
 
--Padecer; nada menos. Mas deixemos isso. Foi o seu coração que falou
e o meu que ouviu; posso agora dizer-lhe francamente o que sinto, sem
receio de a affligir.
 
Não precisava dizer mais nada; a escolha que ella ia fazer estava
já indicada pelo menos. Entendeu-o a baroneza, que fechou o rosto e
suspirou. A afilhada ouviu-lhe o suspiro, e percebeu a tristeza subita;
arrependeu-se de ter ido tão longe.
 
--Percebo, respondeu a baroneza, queres dizer que dos dous pretendentes
escolhes o Dr. Luiz Alves?
 
A moça conservou-se calada; a madrinha olhava para ella com uma
expressão de anciedade que a affligiu.
 
--Fala, repetiu a baroneza.
 
--Escolho... o Sr. Jorge, suspirou Guiomar depois de alguns instantes.
 
A baroneza estremeceu.
 
--Falas serio? Não creio; não é esse o sentimento do teu coração. Vê-se
que não é. Queres illudir-me e a ti também. Percebo que o não amas; não
o amaste nunca. Mas amas ao outro, não é? Que tem isso? Não me dá o
prazer que eu teria se... Que importa, se fores feliz? A tua felicidade
está acima das minhas preferencias. Era um sonho meu; desejava-o com
todas as forças; faria o que pudesse para alcançal-o; mas não se
violenta o coração,--um coração, sobretudo, como o teu! Escolhes o
outro? Pois casarás com elle.
 
Vê o leitor que a palavra esperada, a palavra que a moça sentia vir-lhe
do coração aos labios e querer rompel-os, não foi ella quem a proferiu,
foi a madrinha; e se leu attento o que precede verá que era isso mesmo
o que ella desejava. Mas porque o nome de Jorge lhe roçou os lábios?
A moça não queria illudir a baroneza, mas traduzir-lhe infielmente
a voz de seu coração, para que a madrinha conferisse, por si mesma,
a traducção com o original. Havia nisto um pouco de meio indirecto,
de tactica, de affectação, estou quasi a dizer de hipocrisia, se não
tomassem á má parte o vocabulo. Havia, mas isto mesmo lhes dirá que
esta Guiomar, sem perder as excellencias de seu coração, era do barro
commum de que Deus fez a nossa pouco sincera humanidade; e lhes dirá
tambem que, apezar de seus verdes annos, ella comprehendia já que as
apparencias de um sacrificio valem mais, muita vez, do que o proprio
sacrificio.
 
A baroneza acabára de falar. A alegria do rosto de Guiomar confirmou
a sua primeira impressão, e se a escolha era contraria ao que ella
desejava, a satisfação da afilhada pagou-lhe tudo quanto ella ira
perder. Era assim aquella alma de mãe; boa, dedicada e generosa.
 
--Oh! madrinha! obrigada! exclamou a moça. Não me fica odiando?
 
--Oh! exclamou a baroneza com um tom de reprehensão.
 
E puxou-a para si, e abraçou-a com amor. Guiomar correspondeu ao
movimento, e as duas confundiram as suas alegrias intimas e affeições
sinceras.
 
Mrs. Oswald viu-as dahi a pouco, risonhas e entendidas. Era facil
concluir qual dos dous pretendentes vencera; Guiomar não receberia de
tão boa cara o sobrinho da baroneza. Tudo estava acabado; e talvez que
a sua propria pessoa padecêra naquelle lance ultimo. A baroneza pedira
a Guiomar que lhe explicasse a que padecimentos alludíra, mas a moça
preferiu não dizer nada, não só por não affligir a madrinha, como por
não dar um aspecto de rivalidade á situação entre ella e Mrs. Oswald.
 
A escolha estava feita, o consentimento dado. A baroneza respondeu
nessa mesma tarde ao pretendente feliz. Estevão teria manifestado
ruidosamente toda a alegria que semelhante resposta lhe causára; sua
alma apaixonada e exuberante contaria a Deus e aos homens aquella
immensa fortuna; Luiz Alves encerrou o prazer, aliás grande, dentro de
si; pensou na moça e no futuro alguns instantes, mas não falou delles a
ninguém.
 
A baroneza escreveu nesse mesmo dia ao sobrinho, communicando-lhe a
resposta de Guiomar. Os leitores não terão difficuldade de admittir que
o coração de Jorge não sentiu o golpe profundamente, mas sentiu alguma
cousa. Não foi nessa noite á casa da tia; não foi tembem na segunda; na
terceira chegou a descer as escadas; na quarta embicou para Botafogo.
 
--Tudo está acabado, disse-lhe a tia verdadeiramente sentida.
 
--Acabado! suspirou Jorge.
 
--Agora, é preciso animo; espero que serás homem.
 
--Oh! serei homem! suspirou outra vez Jorge.
 
E dous suspiros, arrancados do peito de um homem tão grave, deviam ser
por força dous suspiros gravissimos, como facilmente acredita o leitor.
 
Effectivamente a physionomia do moço não tinha abatimento nem
afflicção; não a amarrotava o menor vestigio de noite mal dormida,
menos ainda de lagrimas enxutas. Alegre não era, mas grave e austera,
como elle a trazia sempre, a contrastar com o retezado do bigode.
 
A baroneza imaginou comtudo que a dor do sobrinho devia te-lo
mortificado muito; apertou-lhe as mãos com ternura e disse-lhe ainda
algumas palavras de animação.
 
Imagine-se o que seria o primeiro encontro de Jorge com Guiomar. A moça
estava serena, talvez risonha e até compassiva. Se tivesse de casar com
elle odiara-o de certo; agora já lhe perdoava o amor. Jorge pela sua
parte não deixou de ficar um tanto abalado, em parte commoção, em parte
constrangimento, sendo porém o constrangimento maior do que a commoção.
Nos labios pairou-lhe um desses sorrisos em que o olhar penetrante do
povo ou a sua imaginação pintoresca descobriu a côr amarella. Se outro
fosse o aspecto, é provavel que ella lhe conservasse, ao menos, o
respeito. Mas aquelle sorriso perdeu-o de todo no animo de Guiomar.

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