2016년 9월 23일 금요일

a mao e luva 19

a mao e luva 19



Não direi que Luiz Alves gastasse a noite a cavar fundo no terreno das
conjecturas vagas. Não era homem que perdesse tempo em cousas inuteis;
e nada mais inútil naquella occasião do que tentar explicar o que
nenhuma explicação podia ter para elle. O que resolveu foi obedecer
ao recado da moça; pedi-la sem hesitação nem preambulo. Mas se o caso
lhe não produziu insomnia, não deixou de lhe estender a vigilia, além
da hora usual, como era de geito naquella occasião solemne, sobretudo,
tratando-se de creatura que por aquelles tempos era a inveja e a
cobiça de muitos olhos. Luiz Alves não era, como Estevão, um adoravel
scismador, não se nutria de imaginações e devaneios, alimento que
funde pouco ou nada, mas scismou algum tempo, embebeu-se uma hora
na contemplação ideial da mulher que elle soubera escolher. O somno
chegou, e o devaneio confundiu-se com o sonho.
 
Guiomar dormiria tão repousadamente como elle? Dormia; a noite, porém,
fora-lhe muito mais agitada e amarga, como era natural depois da
declaração de Jorge e das insinuações da madrinha.
 
A moça recolhera-se ao quarto, logo depois da declaração. As pessoas
da casa nada puderam ler-lhe no rosto, salvo a pallidez repentina e o
rubor que se lhe seguiu: mas, logo que ella se achou só, deu toda a
expansão aos sentimentos que até alli pudera conter.
 
O primeiro delles era o despeito; Guiomar sentia-se humilhada com
aquella declaração, assim feita, de emboscada e sobresalto, para
arrancar-se-lhe um consentimento que o coração e a indole repelliam.
Nenhuma consulta, nenhuma autorisação prévia; parecia-lhe que a
tratavam como ente absolutamente passivo, sem vontade nem eleição
propria, destinado a satisfazer caprichos alheios. As palavras da
madrinha desmentiam esta supposição; mas, a noticia que ella tinha
da resolução da baroneza, neste negocio, diminuia muito o valor de
taes palavras. Se era uma campanha, como dissera Mrs. Oswald, queriam
constrangel-a com apparencias de moderação, e o tempo que lhe deixavam
para reflectir era-o realmente para considerar, sosinha comsigo, na
necessidade de pagar os benefícios que recebêra.
 
Não a accusem de ter feito estas reflexões, logo que entrou no quarto,
com os olhos scintillantes e os labios frios de colera. Eram naturaes;
primeiramente porque suppunha que o seu casamento com Jorge estava
deliberado e se realisaria, quaesquer que fossem as circumstancias;
depois, porque a alma della era melindrosa; não esquecia os beneficios
recebidos, mas quizera que lh'os não lembrassem por meio de uma
violencia: fazel-o, era o mesmo que lançar-lh'os em rosto.
 
--Não! murmurava emfim a moça, forçar-me, reduzir-me á condição de
simples serva, nunca!
 
Mas esta colera apaziguou-se, e o coração venceu o coração. Guiomar
recordou a constante ternura da baroneza para com ella, a sollicitude
com que lhe satisfazia os seus menores desejos, que eram alli ordens,
e não combinava tamanho amor com a supposta violencia que lhe queria
fazer. Não tardou em arrepender-se das palavras incoherentes que lhe
haviam fugido, e dos sentimentos maus que attribuíra ao coração da
baroneza. Cruzou as mãos no peito e ergueu o pensamento ao ceu, como a
pedir-lhe perdão. Guiomar, em meio das seducções da vida, que tantas
eram para ella e de todo lhe levavam os olhos, não perdera o sentimento
religioso, nem esquecera o que lhe havia ensinado a fé ingenua e pura
de sua mãe.
 
A cólera acabára, mas veiu depois a luta entre a gratidão e o
amor,--entre o noivo que lhe propunha a affeição da madrinha e o que
o seu proprio coração escolhera. Ella nem ousava tirar as esperanças
á baroneza, nem immolar as suas proprias,--e uma de duas cousas era
preciso que fizesse naquella solemne occasião. O que sentiu e pensou
foi longo e cruel; mas se tal duello podia travar-se-lhe na alma,
não era duvidoso o resultado. O resultado devia ser um. A vontade e
a ambição, quando verdadeiramente dominam, podem lutar com outros
sentimentos, mas hão de sempre vencer, porque ellas são as armas do
forte, e a victoria é dos fortes. Guiomar tinha de decidir por um dos
dous homens que lhe propunha o seu destino; elegeu o que lhe falava ao
coração.
 
A resposta, porém, não podia a moça demoral-a nem esquival-a, não
convinha, talvez, prolongar a luta e a duvida. Quando isto pensou,
veiu-lhe ao espirito uma ideia decisiva, a de confessar tudo á
madrinha. Hesitou, porém, entre fazel-o ella propria ou por boca
de Luiz Alves, cujas palavras, apontadas acima trazia escriptas na
memoria. Preferia este meio; mas não lhe bastava preferil-o, era mister
realisal-o, e para isso só dous modos tinha, escrever-lhe ou falar-lhe.
O segundo podia não ser tão prompto, e talvez falhasse occasião
apropriada; adoptou o primeiro, e recuou logo. A carta seria mandada
por um famulo, mas o espirito de Guiomar era a tal ponto sobre si que
repelliu semelhante intervenção. A janella estava aberta; dalli viu luz
na sala de Luiz Alves e a sombra do moço, que passeava de um lado para
outro. Occorreu-lhe então a ideia que poz por obra, conforme ficou dito
no capitulo anterior.
 
Tal é a historia daquella palavra escripta rapidamente n'uma folha
de papel. Apesar da declaração de Luiz Alves e das circumstancias
em que a moça se achou, o leitor facilmente comprehenderá que ella
não a escreveu sem pelejar comsigo mesma, sem vacillar muito entre a
repugnancia e a necessidade. Afinal foram vencidos os escropulos, que é
tanta vez o seu destino delles, e força é dizer que não os vencem nunca
de graça, porque elles falam, arrazoam, obstam o mais que podem, mas
é vulgar passarem-lhes por cima. A moça entretanto, apenas lançara a
carta, arrependeu-se; a dignidade teve remorsos; a consciência quasi a
accusava de uma acção vil. Era tarde; a carta chegára a seu destino.
 
Na manhã seguinte, a baroneza acordou mais alegre que de costume.
Cuidara ver em Guiomar, na noite anterior, alguma cousa que só lhe
pareceu enleio natural da situação. Guiomar erguera-se tarde; a
manhã estava chuvosa e a madrinha não deu o seu passeio. A moça foi
beijar-lhe a mão e a face, como costumava, e receber della o osculo
materno. O rosto parecia cançado mas um veu de affectada alegria
disfarçava-lhe a expressão natural, á semelhança das posturas de
toucador, de maneira que a baroneza, pouco ledora de physionomias, não
discerniu naquella a verdade da impostura. Impostura, digo eu, devendo
entender-se que é honesta e recta, porque a intenção da moça não era
mais do que não amargurar a madrinha, e tirar-lhe motivo a qualquer
afflicção antecipada.
 
--Dormiu bem a minha rainha de Inglaterra? perguntou Mrs. Oswald,
pondo-lhe familiarmente as mãos nos hombros.
 
--A sua rainha de Inglaterra não tem coroa, respondeu Guiomar comum
sorriso contrafeito.
 
Pela volta do meio dia, recebeu a baroneza uma carta de Luiz Alves.
Abriu-a e leu-a. O advogado pedia-lhe a mão de Guiomar. Poucas linhas,
cortezes, simplices, naturaes, feitas por quem parecia senhor da
situação.
 
--Mrs. Oswald, disse a baroneza á sua dama de companhia que se achava
na mesma sala, leia isto.
 
A ingleza obedeceu.
 
--Isto não quer dizer nada, observou ella depois de alguns instantes. É
um pretendente mais; devemos crer, porém, que são muitos, e que se os
outros não lhe escrevem cartas destas, é por que são menos affoutos.
A Sra. baroneza pensa que os olhos de sua afilhada são innocentes?
continuou a ingleza sorrindo. Eu cuido que devem estar carregados de
crimes, e que ha mortos...
 
--Mas não vê, Mrs. Oswald, interrompeu a baroneza, que esse homem
parece estar autorisado?
 
Mrs. Oswald calou-se como quem reflectia. Logo depois expoz uma serie
de argumentos e considerações, se não graves em substancia, pelo menos
nas roupas com que ella os vestia, umas roupas seriamente britannicas,
como as não talharia melhor a melhor tesoura da camara dos communs.
Toda ella dava ares de um argumento vivo e sem réplica. Havia em seus
cabellos, entre louro e branco, toda a rigidez de um syllogismo; cada
narina parecia uma ponta de um dilemma. A conclusão de tudo é que
nada estava perdido, e que a felicidade de Jorge era cousa não só
possivel, mas até provavel, uma vez que a baroneza mostrasse,--era o
essencial,--certa resolução de animo muito util e até indispensavel
naquella occasião. Mrs. Oswald offerecia-se para ir chamar a moça
immediatamente.
 
--Pois vá, vá, disse a baroneza.
 
A ingleza saiu d'alli e foi ter com Guiomar. Quando a viu de longe
compoz um sorriso, e Guiomar, vendo-a sorrir, sentiu como que um
movimento interno de repulsa.
 
--Venho buscal-a, disse Mrs. Oswald, para uma cousa que a senhora está
longe de imaginar.
 
Guiomar interrogou-a com olhos.
 
--Para casar!
 
--Casar! exclamou Guiomar sem comprehender a intenção da mensageira.
 
--Nada menos, respondeu esta. Admira-se, não? Tambem eu; e sua madrinha
egualmente. Mas ha quem tenha o mau gosto de apaixonar-se por seus
bellos olhos, e a affronta de a vir pedir, como se se podissem as
estrellas do ceu...
 
Guiomar comprehendeu de que se tratava. Olhou desdenhosamente para a
ingleza, e disse em tom secco e breve:
 
--Mas, conclua, Mrs. Oswald.
 
--A senhora baroneza manda chamal-a.
 
Guiomar dispoz-se a ir ter com a madrinha; Mrs. Oswald fel-a parar um
instante, e com a mais meliflua voz que possuia na escala da garganta,
disse:
 
--Toda a felicidade desta casa está em suas mãos.
 
 
 
 
XVIII
 
 
A escolha.
 
 
Mrs. Oswald tinha falado de mais. A baroneza não a incumbira de dizer á
afilhada a razão porque a mandava chamar. Aconteceu, porém, que aquella
indisçrição não foi a unica. Mrs. Oswald, em vez de esquivar-se e
deixar que entre Guiomar e a baroneza fosse tratado o assumpto que as
ia reunir, cedeu á curiosidade, e acompanhou a moça.
 
A baroneza estava sentada, entre duas janellas, com a carta aberta nas
mãos, tão attenta em relel-a, que não ouviu o rumor dos pés de Guiomar
e de Mrs. Oswald.
 
--Madrinha chamou-me? perguntou Guiomar parando em frente della.
 
A baroneza ergueu a cabeça.
 
--Ah! É verdade; sim; chamei-te. Senta-te aqui.
 
Guiomar arrastou a cadeira que ficava mais proxima e sentou-se ao pé
da baroneza. Esta, entretanto, havia dobrado lentamente a carta, e
tinha os olhos no chão, como a procurar por onde começaria. Quando os
levantou deu com a ingleza. Ia já a falar, mas estacou. A affeição que
lhe tinha não impediu que achasse demasiada familiaridade a presença de
Mrs. Oswald em semelhante occasião. Esperou alguns instantes; mas como
a ingleza parecesse inteiramente distrahida:

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