2016년 9월 22일 목요일

a mao e luva 5

a mao e luva 5


Interrompeu-as uma mulher de quarenta e quatro a quarenta e cinco
annos, alta e magra, cabello entre louro e branco, olhos azues,
aceiadamente vestida, a Sra. Oswald,--ou mais britannicamente, Mrs.
Oswald,--dama de companhia da baroneza, desde alguns annos. Mrs.
Oswald conhecêra a baroneza em 1846; viuva e sem familia, acceitou as
prospostas que esta lhe fez. Era mulher intelligente e sagaz, dotada
de boa indole e serviçal. Antes da ida de Guiomar para a companhia da
madrinha, era Mrs. Oswald a alma da casa; a presença de Guiomar, que a
baroneza amava extremosamente, alterou um pouco a situação.
 
--São nove horas! disse de longe a ingleza; pensei que hoje não queriam
voltar para casa. O calor está forte; e a senhora baroneza sabe que não
é conveniente expor-se aos ardores do sol, sobretudo neste tempo de
epidemias.
 
--Tem razão, Mrs. Oswald; mas Guiomar tardou hoje tanto em ir
buscar-me, que o passeio começou tarde.
 
--Porque me não mandou chamar?
 
--Estava talvez a dormir, ou entretida com o seu Walter Scott...
 
--Milton, emendou gravemente a ingleza; esta manhã foi dedicada a
Milton. Que immenso poeta, D. Guiomar!
 
--Tamanho como este calor, observou Guiomar sorrindo. Apertemos o passo
e lá dentro a ouviremos com melhor disposição.
 
Foram as tres andando, subiram a escada e entraram na sala de jantar,
que era vasta, com seis janellas para a chacara. Dalli seguiram para
uma saleta, onde a baroneza sentou-se na sua poltrona, a esperar a hora
do almoço. Guiomar saiu para ir cuidar da _toilette_; e a baroneza que
desde alguns minutos estivera cabisbaixa e pensativa, olhou fixamente
para Mrs. Oswald, sem dizer palavra.
 
Era ella uma senhora de cincoenta annos, refeita, vestida com esse
alinho e esmero da velhice, que é um resto da elegancia da mocidade. Os
cabellos, côr de prata fosca, emmolduravam-lhe o rosto sereno, algum
tanto arrugado, não por desgostos, que os não tivera, mas pelos annos.
Os olhos luziam de muita vida, e eram a parte mais juvenil do rosto.
 
Tendo casado cedo, coube-lhe a boa fortuna de ser egualemente feliz
desde o dia do noivado até o da viuvez. A viuvez custara-lhe muito; mas
já lá iam alguns annos, e da crua dor que tivera ficara-lhe agora a
consolação da saudade.
 
--Chegue-se mais perto; preciso falar-lhe a sós, disse ella á ingleza,
que se achava a alguns passos de distancia.
 
Mrs. Oswald foi ate a porta espreitar se viria alguém e voltou a
sentar-se ao pé da baroneza. A baroneza estava outra vez pensativa, com
as mãos crusadas no regaço e os olhos no chão.
 
Estiveram as duas alli silenciosas alguns dous ou tres minutos. A
baroneza despertou emfim das reflexões, e voltou-se para a ingleza:
 
--Mrs. Oswald, disse ella, parece estar escripto que não serei
completamente feliz. Nenhum sonho me falhou nunca; este, porém, não
passará de sonho, e era o mais bello de minha velhice.
 
--Mas porque desespera? disse a ingleza. Tenha animo, e tudo se hade
arranjar. Pela minha parte, oxalá pudesse contribuir para a completa
felicidade desta familia, a quem devo tantos e tamanhos benefícios.
 
--Benefícios!
 
--E que outra cousa são os seus carinhos, a protecção que me tem dado,
a confiança...
 
--Está bom, está bom, interrompeu affectuasamente a baroneza; falemos
de outra cousa.
 
--Della, não é? Diz-me o coração que com alguma paciencia tudo se
alcançará. Todos os meios se hão de tentar; e todos elles são bons
se se trata de fazer a felicidade sua e della. Bem está o que bem
acaba, disse um poeta nosso, homem de juizo. Por em quanto só vejo um
obstaculo: a pouca disposição...
 
--Só esse?
 
--Que outro mais?
 
--Talvez outro, disse a baroneza abaixando a voz; póde ser que não, mas
tão infeliz sou neste meu desejo, que hade vir a ser obstaculo, talvez.
 
--Mas que é?
 
--Um homem, um moço, não sei quem, sobrinho da mestra que foi de
Guiomar... Ella mesma contou-me tudo ha pouco.
 
--Tudo o que?
 
--Não sei se tudo; mas emfim disse-me que, estando a passear na
chacara, vira o tal sobrinho da mestra, junto á cerca do Dr. Luiz
Alves, e ficara a conversar com elle. Que será isto, Mrs. Oswald?
Algum amor que continua ou recomeça agora,--agora, que ella já não é a
simples herdeira da pobreza de seus pais, mas a minha filha, a filha do
meu coração.
 
A commoção da baroneza ao proferir estas palavras era tal, que Mrs.
Oswald pegou-lhe affectuosamente das mãos e procurou conforta-la com
outras palavras de esperança e confiança. Disse-lhe, além disso, que o
simples conversar com esse homem, que aliás nenhuma delias conhecia,
não era razão para suppor uma paixão anterior.
 
--Emfim, concluiu a ingleza, custa-me crer que ella ame a alguem neste
mundo. Por em quanto estou que não gosta de ninguém, e a nossa vantagem
não é outra senão essa. Sua afilhada tem uma alma singular; passa
facilmente do enthusiasmo á frieza, e da confiança ao retrahimento.
Ha de vir a amar, mas não creio que tenha grandes paixões, ao menos
duradouras. Em todo o caso, posso responder-lhe actualmente pelo seu
coração, como se tivesse a chave na minha algibeira.
 
A baroneza abanou a cabeça.
 
--Quanto a esse homem, continuou Mrs. Oswald, saberemos quem é elle, e
que relações de affecto houve no passado.
 
--Parece-lhe possivel?
 
--Naturalmente!
 
A ingleza proferiu esta unica palavra com a segurança necessaria para
serenar o animo da boa senhora, que ficou algum tempo a olhar pasmada
para ella, como quem reflectia.
 
--Ha occasiões, disse emfim a baroneza ao cabo de alguns segundos de
silencio, ha occasiões em que eu quasi chego a sentir remorsos do amor
que tenho a Guiomar. Ella veiu preencher na minha vida o vacuo deixado
por aquella pobre Henriqueta, a filha das minhas entranhas, que a morte
levou comsigno, para mal de sua mãe. Se havia de ser infeliz, melhor é
que a chore morta, com a esperança de a ir encontrar no ceu. Mas não
lhe quiz mais, nem talvez tanto, como a esta criança, que levei á pia,
e de quem Deus me fez mãe...
 
A baroneza calou-se; ouvira passos no corredor.
 
Guiomar, embora tivesse ido vestir-se e aprimorar-se, com tão singellos
meios o fizera, que não desdizia daquelle matinal desalinho em que o
leitor a viu no capitulo anterior. O penteado era um capricho seu,
expressamente inventado para realçar a um tempo a abundancia dos
cabellos e a senhoril belleza da testa. As pontas bordadas de um
collarinho de cambraia dobravam-se faceiramente sobre o azul do vestido
de _glacé_, talhado e ornado com uma simplicidade artistica. Isto, e
pouco mais, era toda a moldura do painel,--um dos mais bellos paineis
que havia por aquelles tempos em toda a praia de Botafogo.
 
--Viva a minha rainha de Inglaterra! exclamou Mrs. Oswald quando a viu
assomar á porta da saleta.
 
E Guiomar sorriu com tanta, satisfação e gôzo ao ouvir-lhe esta
saudação familiar, que um observador attento hesitaria em dizer se era
aquillo simples vaidade de moça, ou se alguma cousa mais.
 
A baroneza poz os olhos na afilhada, uns olhos amorosos e tristes,
em que a moça reparou, e que a tornaram séria durante alguns rapidos
segundos. Mas sorriu depois; e pegando das mãos da madrinha deu-lhe
dous beijos no rosto, com tanta ternura e tão sincera, que a boa
senhora sorriu de contentamento.
 
--Não precisa falar, disse Guiomar, já sei que me acha bonita. É o
que me diz todos os dias, com risco de me perder, porque se eu acabo
vaidosa, adeus, minhas encommendas, ninguem mais poderá commigo.
 
Guiomar disse isto com tanta graça e singeleza, que a madrinha não
pôde deixar de rir, e a melancolia acabou de todo. A sineta do almoço
chamou-as a outros cuidados, e a nós tambem, amigo leitor. Em quanto as
tres almoçam, relanceemos os olhos ao passado, e vejamos quem era esta
Guiomar, tão gentil, tão buscada e tão singular, como dizia Mrs. Oswald.
 
 
 
 
V
 
 
Meninice.
 
 
Guiomar tivera humilde nascimento; era filha de um empregado subalterno
não sei de que repartição do Estado, homem probo, que morreu quando
ella contava apenas sete annos, legando á viuva o cuidado de a educar
e manter. A viuva era mulher energica e resoluta, enxugou as lagrimas
com a manga do modesto vestido, olhou de frente para a situação e
determinou-se á luta e á victoria.
 
A madrinha de Guiomar não lhe faltou naquelle duro transe, e olhou por
ellas, como entendia que era seu dever. A solicitude, porém, não foi
tão constante a principio como veiu a ser depois; outros cuidados de
familia lhe chamavam a attenção.
 
Guiomar annunciava desde pequena as graças que o tempo lhe desabrochou
e perfez. Era uma creaturinha galante e delicada, assaz intelligente e
viva, um pouco travêssa, de certo, mas muito menos do que é usual na
infancia. Sua mãe, depois que lhe morrera o marido, não tinha outro
cuidado na terra, nem outra ambição mais, que a de ve-la prendada e
feliz. Ella mesma lhe ensinou a ler mal, como ella sabia,--e a coser e
bordar, e o pouco mais que possuia de seu officio de mulher. Guiomar
não tinha difficuldade nenhuma em reter o que a mãe lhe ensinava, e
com tal affinco lidava por aprender, que a viuva,--ao menos nessa
parte,--sentia-se venturosa. Has-de ser a minha doutora, dizia-lhe

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