2016년 9월 22일 목요일

A Mao e A Luva 1

A Mao e A Luva 1


A Mao e A Luva
Author: Machado de Assis
 
ADVERTÊNCIA DE 1907
 
Os trinta e tantos annos decorridos do apparecimento desta novella
á reimpressão que ora se faz parece que explicam as differenças de
composição e de maneira do autor. Se este não lhe daria agora a mesma
feição, é certo que lh'a deu outr'ora, e, ao cabo, tudo pode servir a
definir a mesma pessoa.
 
Não existia, ha muito, no mercado. O autor acceitou o conselho de
confiar a reimpressão ao editor dos outros livros seus. Não lhe
alterou nada; apenas emendou erros typographicos, fez correcções de
orthographia, e eliminou cerca de quinze linhas. Vae como saiu em 1874.
 
M. DE A.
 
 
 
ADVERTÊNCIA DE 1874
 
Ésta novella, sugeita ás urgências da publicação diaria, saiu das mãos
do autor capitulo a capitulo, sendo natural que a narração e o estylo
padecessem com esse methodo de composição, um pouco fóra dos hábitos
do autor. Se a escrevêra em outras condições, dera-lhe desenvolvimento
maior, e algum colorido mais aos caracteres, que ahi ficam esboçados.
Convem dizer que o desenho de taes caracteres,--o de Guiomar,
sobretudo,--foi o meu objecto principal, senão exclusivo, servindo-me a
acção apenas de tela em que lancei os contornos dos perfis. Incompletos
embora, terão elles saido naturaes e verdadeiros?
 
Mas talvez estou eu a dar proporções muito graves a uma cousa de tão
pequeno tomo. O que ahi vae são umas poucas paginas que o leitor
esgotará de um trago, se ellas lhe aguçarem a curiosidade ou se lhe
sobrar alguma hora que absolutamente não possa empregar em outra
cousa,--mais bella ou mais util.
 
Novembro de 1814.
 
M. DE A.
 
 
 
 
A MÃO E A LUVA
 
 
 
 
I
 
 
O fim da carta.
 
 
--Mas que pretendes fazer agora?
 
--Morrer.
 
--Morrer? Que ideia! Deixa-te disso, Estevão. Não se morre por tão
pouco....
 
--Morre-se. Quem não padece estas dores não as póde avaliar. O golpe
foi profundo, e o meu coração é pusillanime; por mais aborrecivel que
pareça a ideia da morte, peior, muito, peior do que ella, é a de viver.
Ah! tu não sabes o que isto é?
 
--Sei: um namoro gorado....
 
--Luiz!
 
--.... E se em cada caso de namoro gorado morresse um homem, tinha já
diminuído muito o genero humano, e Malthus perderia o latim. Anda, sobe.
 
Estevão metteu a mão nos cabellos com um gesto de augustia; Luiz
Alves sacudiu a cabeça e sorriu. Achavam-se os dous no corredor da
casa de Luiz Alves, á rua da Constituição,--que então se chamava dos
Ciganos;--então, isto é, em 1853, uma bagatella de vinte annos que lá
vão, levando talvez comsigo as illusões do leitor, e deixando-lhe em
troca (usurarios!) uma triste, crua e desconsolada experiencia.
 
Eram nove horas da noite; Luiz Alves recolhia-se para casa, justamente
no occasião em que Estevão o ia procurar; encontraram-se á porta. Alli
mesmo lhe confiou Estevão tudo o que havia, e que o leitor saberá daqui
a pouco, caso não aborreça estas historias de amor, velhas como Adão,
e eternas como o ceu. Os dous amigos demoraram-se ainda algum tempo no
corredor, um a insistir com o outro para que subisse, o outro a teimar
que queria ir morrer, tão tenazes ambos, que não haveria meio de os
vencer, se a Luiz não occoresse uma transacção.
 
--Pois sim, disse elle, convenho em que deves morrer, mas ha de ser
amanhã. Cede da tua parte, e vem passar a noite commigo. Nestas ultimas
horas que tens de viver na terra dar-me-has uma lição de amor, que eu
te pagarei com outra de philosophia.
 
Dizendo isto, Luiz Alves travou do braço de Estevão, que não resistiu
dessa vez, ou porque a ideia da morte não se lhe houvesse entranhado
deveras no cerebro, ou porque cedesse ao doloroso gosto de falar da
mulher amada, ou, o que é mais provavel, por esses dous motivos juntos.
Vamos nós com elles, escada acima, até a sala de visitas, onde Luiz foi
beijar a mão de sua mãe.
 
--Mamãe, disse elle, hade fazer-me o favor de mandar o chá ao meu
quarto; o Estevão passa a noite commigo.
 
Estevão murmurou algumas palavras, a que tentou dar um ar de gracejo,
mas que eram funebres como um cypreste. Luiz viu-lhe então, á luz
das estearinas, alguma vermelhidão nos olhos, e adivinhou,--não
era difficil,--que houvesse chorado. Pobre rapaz! suspirou elle
mentalmente. D'alli foram os dous para o quarto, que era uma vasta
sala, com tres camas, cadeiras de todos os feitios, duas estantes
com livros e uma secretaria,--vindo a ser ao mesmo tempo, alcova e
gabinette, de estudo.
 
O chá subiu dahi a pouco. Estevão, a muito rogo do hospede, bebeu dous
goles; accendeu um cigarro e entrou a passear ao longo do aposento,
em quanto Luiz Alves, preferindo um charuto e um sophá, accendeu o
primeiro e estirou-se no segundo, cruzando beatificamente as mãos sobre
o ventre e contemplando o bico das chinellas, com aquella placidez
de um homem a quem se não gorou nenhum namoro. O silencio não era
completo; ouvia-se o rodar de carros que passavam fóra; no aposento,
porêm, o unico rumor era dos botins de Estevão na palhinha do chão.
 
Cursavam estes dous moços a academia de S. Paulo, estando Luiz Alves,
no quarto anno e Estevão no terceiro. Conheceram-se na academia, e
ficaram amigos intimos, tanto quanto podiam sel-o dous espiritos
differentes, ou talvez por isso mesmo que o eram. Estevão, dotado de
extrema sensibilidade, e não menor fraqueza de animo, affectuoso e
bom, não daquella bondade varonil, que é apanagio de uma alma forte,
mas dessa outra bondade molle e de cera, que vai á mercê de todas as
circumstancias, tinha, além de tudo isso, o infortunio de trazer ainda
sobre o nariz os oculos côr de rosa de suas virginaes illusões. Luiz
Alves via bem com os olhos da cara. Não era mau rapaz, mas tinha o seu
grão de egoismo, e se não era incapaz de affeições, sabia regel-as,
moderal-as, e sobretudo guial-as ao seu proprio interesse. Entre estes
dous homens travara-se amizade intima, nascida para um na sympathia,
para outro no costume. Eram elles os naturaes confidentes um do outro,
com a differença que Luiz Alves dava menos do que recebia, e, ainda
assim, nem tudo o que dava exprimia grande confiança.
 
Estevão referira ao amigo, desde tempos, toda a historia do amor,
agora mallogrado, suas esperanças, desalentos e glorias, e, emfim,
o inesperado desfecho. O pobre rapaz, que folheava o capitulo mais
delicioso do romance--no sentir delle--caiu de toda a altura das
illusões na mais dura, prosaica e miseravel realidade.
 
A namorada de Estevão,--é tempo de dizer alguma cousa della,--era uma
moça de 17 annos, e, por ora, simples alumna-professora no collegio de
uma tia do nosso estudante, á rua dos Invalidos. Estevão tinha-a visto,
pela primeira vez, seis mezes antes, e desde logo sentiu-se preso por
ella, «até á morte», disse elle ao amigo, referindo-lhe o encontro,
o que o fez sorrir de tão estirado prazo. Qualquer que elle fosse,
porém, o prazo fatal daquelle captiveiro, a verdade é que Estevão no
mesmo ponto em que a viu logo a amou, como se ama pela primeira vez na
vida--amor um pouco estouvado e cego, mas sincero e puro. Amava-o ella?
Estevão dizia que sim, e devia crel-o; alguns olhares ternos, meia
duzia de apertos de mão significativos, embora a largos intervallos,
davam a entender que o coração de Guiomar--chamava-se Guiomar--não era
surdo á paixão do academico. Mas, fora disso, nada mais, ou pouco mais.
 
O pouco mais foi uma flor, não colhida do pé em toda a original
frescura, mas já murcha e sem cheiro, e não dada, senão pedida.
 
--Faz-me um favor? disse um dia Estevão apontando para a flor que
ella trazia nos cabellos; esta flor está murcha, e, naturalmente, vai
deital-a fóra ao despentear-se; eu desejava que m'a désse.
 
Guiomar, sorrindo, tirou a flor do cabello, e deu-lh'a; Estevão
recebeu-a com egual contentamento ao que teria se lhe antecipassem o
seu quinhão do ceu. Além da flor, e para supprir as cartas, que não
havia, nada mais obtivera. Estevão durante aquelles seis compridos
mezes, a não serem os taes olhares, que afinal são olhares, e vão-se
com os olhos donde vieram. Era aquillo amor, capricho, passatempo ou
que outra cousa era?
 
Naquella tarde, a tarde fatal, estando ambos a sós, o que era raro e
difficil, disse-lhe elle que em breve ia voltar para S. Paulo, levando
comsigo a imagem della, e pedindo-lhe em cambio, que uma vez ao menos
lhe escrevesse. Guiomar franziu a testa e fitou nelle o seu magnifico
par de olhos castanhos, com tanta irritação e dignidade, que o pobre
rapaz ficou attonito e perplexo. Imagina-se a augustia delle diante
do silencio que reinou entre ambos por alguns segundos; o que se não
imagina é a dor que o prostrou,--a dor e o espanto,--quando ella,
erguendo-se da cadeira em que estava, lhe respondeu, saindo:   

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