2016년 9월 22일 목요일

a mao e luva 12

a mao e luva 12



Gosta muito de mim, não? perguntou Guiomar fitando os olhos na
ingleza.
 
--Oh! parece que sim! A senhora deve sabel-o tanto como eu; eu sei o
que tenho visto, e creio que é muito.
 
--Eu nunca vi nada, respondeu seccamente Guiomar.
 
A resposta de Mrs. Oswald foi um sorriso de incredulidade, que a outra
não viu ou não quiz ver. Houve uma pausa; Guiomar continuou nestes
termos:
 
--Mas seja como for, a minha resposta é negativa. Estou que elle não me
fará a injuria de querer casar commigo, sem que eu o ame...
 
Guiomar parou, como a esperar, que a outra lhe dissesse alguma cousa.
Desta vez coube a Mrs. Oswald não responder nada, nem com a voz nem com
o gesto. A moça inclinou o corpo poz os braços sobre os joelhos, com os
dedos cruzados, e entre um riso amavel e um olhar affectuoso, continuou:
 
--A senhora podia, se acaso elle alguma vez lhe falou nisso ou vier a
falar-lhe, podia dissuadi-lo de taes ideias, dizendo-lhe simplesmente,
a verdade e dando-lhe conselhos, os conselhos que a senhora hade saber
dar, e que elle aceitará de certo, porque é um bom coração, um caracter
estimavel...
 
--Oh! excellente! um moço excellente!
 
E as duas ficaram a olhar uma para a outra, Guiomar a sorrir, mas de um
sorriso, que era uma contracção voluntaria dos musculos, e a ingleza a
fazer um rosto de piedade, e adoração, e pena, e muita cousa junta, que
a moça só começou a comprehender, quando ella rompeu o silencio deste
modo:
 
--Estou a duvidar se devo dizer-lhe o resto.
 
--O resto? perguntou Guiomar admirada. Pois que ha mais?
 
A ingleza approximou a cadeira. Guiomar endireitou o busto e esperou
anciosa a revelação,--se revelação era,--que lhe ia fazer Mrs. Oswald.
Esta não falou logo; era razoavel hesitar um pouco, lutar comsigo
mesma, antes de dizer alguma cousa. Emfim, com um movimento de quem
ajunta as forças todas e as emprega em cousa superior á coragem usual:
 
--D. Guiomar, disse ella, pegando-lhe nas mãos, ninguem póde exigir que
se case sem amar o noivo; seria na verdade uma affronta. Mas o que lhe
digo é que o amor que não existe por ora, póde vir mais tarde, e se
vier, e se viesse seria uma grande fortuna...
 
--Mas acabe, acabe, interrompeu a moça com impaciencia.
 
--Seria uma grande fortuna para a senhora, para elle, ouso dizer que
para mim, que os estimo e adoro, mas sobretudo para a Sra. baroneza.
 
--Como assim? disse Guiomar.
 
--Oh! para elle seria a maior fortuna da vida, porque é hoje o seu
mais entranhado e vivo desejo, o seu desejo verdadeiramente da alma. A
senhora...
 
--Está certa disso?
 
--Certissima.
 
--Não creio, não vejo nada que...
 
--Creia, deve crer. Se me promette nada dizer desta nossa conversa, nem
fazer suspeitar por nenhum modo o que lhe estou contando...
 
--Fale.
 
--Pois bem,--continuou Mrs. Oswald abaixando a voz, como se alguem
podesse ouvil-a na solidão daquella alcova, e no silencio, profundo
daquella casa, que toda dormia,--pois bem, eu lhe direi que por ella
mesma tive noticia deste seu desejo. Quando eu percebi a paixão do Sr.
Jorge, falei nisso a sua madrinha, gracejando na intimidade que ella
me permitte, e a senhora baroneza em vez de sorrir, como eu esperava
que fizesse, ficou algum tempo pensativa e séria, até que rompeu nestas
palavras: «Oh! se Guiomar gostasse delle e viessem a casar-se, eu seria
completamente feliz. Não tenho hoje outra ambição na terra. Ha de ser a
minha campanha.»
 
--Minha madrinha disse isso? perguntou Guiomar.
 
--Tal qual. A resposta que lhe dei foi que o casamento não era
impossivel, e que nada mais natural do que virem a amar-se duas pessoas
a principio indifferentes. O amor nasce muita vez do costume.
 
Guiomar já mal ouvia o que lhe estava dizendo a ingleza; se ainda
olhava para ella, era com os olhos indecisos e empanados, de quem vae
toda absorvida em pensamentos intimos.
 
--Foi desde esse dia, continuou Mrs. Oswald, que me pareceu conveniente
falar-lhe algumas vezes nisso, sondar-lhe o coração, ver se elle
favorecia o sonho de sua madrinha, tornando feliz toda esta casa...
Fiz mal, convenho; mas a intenção era a mais respeitavel e santa deste
mundo.
 
--De certo, murmurou Guiomar.
 
Mrs. Oswald pegou-lhe n'uma das mãos e beijou-a affectuosamente.
Guiomar não a repelliu nem sequer pareceu dar-se-lhe da ternura da
ingleza. As duas olharam-se uns breves minutos, sem dizer nada, como a
lerem na alma uma da outra.
 
Guiomar não tinha a experiencia nem a edade da ingleza, que podia ser
sua mãe; mas a experiencia e a edade eram substituidas, como sabe o
leitor, por um grande tino e sagacidade naturaes. Ha creaturas que
chegam aos cincoenta annos sem nunca passar dos quinze, tão simplices,
tão cegas, tão verdes as compõe a natureza; para essas o crepusculo
é o prolongamento da aurora. Outras não; amadurecem na sazão das
flores; vem ao mundo com a ruga da reflexão no espirito,--embora, sem
prejuiso do sentimento, que nellas vive e influe, mas não domina.
Nestas o coração nasce enfreiado; trota largo, vae a passo ou galopa,
como coração que é, mas não dispara nunca, não se perde nem perde o
cavalleiro.
 
O que a afilhada da baroneza buscava ler no rosto de Mrs. Oswald era se
effectivamente a madrinha nutria aquelle desejo, ou se tal revelação
não era mais do que um embuste. O leitor sabe que era verdadeira; mas
admittirá, sem duvida, que a moça só depois de muito interrogar e
examinar lhe désse fé. Creu emfim; creu, porque era verosimil, creu
porque a ingleza não se arriscaria a qualquer indiscrição da parle
della, que de todo a desmascararia.
 
--Parece-me, disse Mrs. Oswald, que não fiz mal em lhe dizer tudo o que
sabia. Conselhos não lhe dou nenhuns; o melhor delles não vale a voz
do proprio coração. O seu é puro e recto; consulte-o de boa vontade, e
verá se ha nelle indifferenca, ou se alguma faisca...
 
--Eu sei! interrompeu Guiomar. Não me lembrou consultal-o nunca.
 
--Faz mal, elle é o relogio da vida. Quem o não consulta, anda
naturalmente fóra do tempo. Mas que vejo! continuou Mrs. Oswald
deitando os olhos para o reloginho de Guiomar. Naquelle outro relogio
faltam dez minutos para uma hora! Uma hora! Que diria a Sra. baroneza
se soubesse que ainda estamos aqui de conversa! Retiro-me; Deus lhe
dê um somno socegado, e sobretudo a faça feliz, como merece. Não lhe
recommendo juizo, porque o tem de sobra. Adeus, até amanhã.
 
E Mrs. Oswald sahiu pé ante pé em direcção ao seu quarto.
 
Guiomar ficou só, alli sentada ao pé da cama, a ouvir o passo surdo,
e cautelloso da ingleza. Quando o som morreu de todo, e o silencio da
noite volveu ao que era, profundo e sepulchral, a moça deixou cair os
braços na cama, e a cabeça nas mãos, e um suspiro desentranhou-se-lhe
do peito, longo, ruidoso, magoado,--o primeiro que o leitor lhe ouve
desde que a conhece--e emfim estas palavras arrancadas da alma, tão
doloridas,--ia dizer tão lacrimosas,--vinham ellas:
 
--Oh meus sonhos! meus sonhos!
 
Não chorou; a alma della era das que não tem lagrimas, em quanto
lhe restam forças. Os olhos estavam seccos e firmes quando ella os
ergueu das mãos; o resto tinha vestigios do abalo, mas não havia nelle
desanimo, menos ainda desespero.
 
 
 
 
XI
 
 
Luiz Alves.
 
 
Durante uma inteira e comprida semana, deixou Estevão de apparecer no
escriptorio onde trabalhava com Luiz Alves; não appareceu tambem em
Botafogo. Ninguem o viu em todo esse tempo nos logares onde elle era
mais ou menos assiduo. Foram seis dias, não digo de reclusão absoluta,
mas de completa solidão, porque ainda nas poucas vezes que saiu, fel-o
sempre a horas ou em direcções que a ninguem via, e de ninguem era
visto.
 
Mas não fôra essa crua e malfadada crise, e é quasi certo que elle
metteria uma lança na Africa daquelles dias, que era um ponto muito
serio e grave, a questão magna da rua do Ouvidor e da casa do José
Thomaz, a ponderosa, crespa e complicada questão de saber se a
Stephanoni estrearia no _Ernani._ Esta questão, de que o leitor se
ri hoje, como se hão de rir os seus sobrinhos de outras analogas
puerilidades, esta pretenção a que se oppunha a Lagrua, allegando que
o _Ernani_ era seu, pretenção que fazia gemer as almas e os prelos
daquelle tempo, era cousa muito propria a espertar os brios do nosso
Estevão, tão marechal nas cousas minimas, como recruta nas cousas
maximas.
 
Infelizmente elle não apparecia, não sabia sequer do conflicto e do
debate, occupado como estava em travar o aspero e sangrento duelo do
homem contra si mesmo, quando lhe falta o apoio, ou a consolação dos
outros homens. Todo elle era Guiomar; Guiomar era o primeiro e o ultimo
pensamento de cada dia. A sombra da moça vivia ao pé delle e dentro
delle, no livro em que lia, na rua solitaria onde acaso transitava, nos
sonhos da noite, nas estrellas do ceu, nas poucas flores de seu inculto
jardim.
 
Um leitor perspicaz, como eu supponho que hade ser o leitor deste
livro, dispensa que eu lhe conte os muitos planos que elle teceu,
diversos e contradictorios, como é de razão em analogas situações.
Apenas direi por alto que elle pensou tres vezes em morrer, duas em
fugir á cidade, quatro em ir affogar a sua dor mortal naquelle ainda

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