2016년 9월 22일 목요일

a mao e luva 13

a mao e luva 13


A ideia do suicidio fincou-se-lhe mais a dentro no espirito, certa
tarde em que elle saiu a espairecer, e viu um enterro que passava,
caminho do Cajú. O prestito era triste,--ainda mais triste pela
indifferença que se lia no rosto dos que iam piedosamente acompanhando
o morto. Estevão descobriu-se e sinceramente desejou ir alli dentro,
mettido naquellas estreitas tabuas de pinho, com todas as suas dores,
paixões e esperanças.
 
--Não tenho outro recurso, pensou elle; é necessario que morra. É uma
dôr só, e é a liberdade.
 
Ao voltar para casa, uma creança que brincava na rua, em camisa, com os
pés na agua barrenta da sargeta, fel-o parar alguns instantes, invejoso
daquella boa fortuna da infancia, que ri com os pés no charco. Mas a
inveja da morte e a inveja da innocencia foram ainda substituidas pela
inveja da felicidade, quando ao recolher-se viu as janellas abertas de
uma casa visinha, e a sala illuminada, e uma noiva coroada de flores
de laranjeira, a sorrir para o noivo, que sorria igualmente para ella,
ambos com o sorriso indefinivel e unico da occasião.
 
Os cinco dias correram-lhe assim, travados de enojo, de desespero, de
lagrimas, de reflexões amargas, de suspiros inuteis, até que raiou a
aurora do sexto dia, e com ella,--ou pouco depois della, uma carta de
Botafogo. Estevão quando viu o creado da baroneza, á porta da saia,
com uma carta na mão, sentiu tamanho alvorôço, que não ouviu nada
do que elle lhe disse. Supporia que a carta era de Guiomar? Talvez;
mas a illusão durou os poucos instantes que elle gastou em romper a
sobrecarta e desdobrar a folha de papel que vinha dentro.
 
A carta era da baroneza.
 
A baroneza perguntava-lhe graciosamente se elle havia morrido, e pedia
que fosse falar-lhe ácerca da demanda que ella trazia. Estevão chegara
já ao estado de só esperar um pretexto para transigir comsigo mesmo;
não podia havel-o melhor. Escreveu rapidamente duas linhas de resposta,
e á uma hora da tarde apeava-se de um tilbury á porta da funesta e
deliciosa casa, onde havia passado as melhores e as peores horas da
vida.
 
--Sabe porque razão lhe dei este incommodo, além do prazer que tinha em
vel-o? perguntou a baroneza logo depois dos primeiros comprimentos.
 
--Disse-me que era por causa da demanda...
 
--Sim, precisamos assentar algumas cousas, antes da nossa partida.
 
--V. Ex. sae da côrte?
 
--Vamos para o roça.
 
Estevão empallideceu. Na situação delle, aquella viagem era a melhor
cousa que lhe podia acontecer; comtudo, fez-lhe mal a noticia. A
conversa que se seguiu foi toda sobre o assumpto forense, e durou uma
longa hora, sem que apparecesse Guiomar. Ao despedir-se atreveu-se
Estevão a perguntar por ella.
 
--Anda passeando, respondeu a baroneza.
 
Estevão despediu-se da constituinte, que o acompanhou até á porta da
sala, repetindo-lhe algumas recommendações, que o advogado mal pôde
ouvir e absolutamente lhe não ficaram de memoria.
 
A esperança de ver a moça levara-o, mais que tudo, áquella casa; saía
sem ter o gosto de a contemplar ainda uma vez; mais do que isso,
ameaçado de a não ver tão cedo, ou quem sabe se nunca mais. Ia elle
a reflectir nisto e a approximar-se da porta, onde parava ao mesmo
tempo um carro. Estevão estremeceu naturalmente, ante de ver quem ia
apear-se; grudou-se ao portal, com os olhos fitos na portinhola, que um
lacaio abria apressadamente.
 
A primeira figura que desceu foi a nossa conhecida Mrs. Oswald, que o
fez, sem dar tempo a que Estevão lhe offerecesse a mão. O bacharel,
desde que a vira, approximara-se rapidamente da portinhola.
 
Guiomar desceu logo depois. A mão apertada na luva côr de perola pousou
levemente na mão de Estevão que estremeceu todo. A moça fez-lhe um
comprimento risonho, murmurou um agradecimento e recolheu-se com a
ingleza. Era pouco; mas esse pouco alvoroçou o bacharel, que enfiou
d'alli para a cidade, em direcção ao escriptorio.
 
Luiz Alves admirou-se de o ver; não foi com um espanto de seis dias,
como devera ser, mas de quarenta e oito horas, quando muito. Que
admira? A preocupação de Luiz Alves por aquelles dias era a candidatura
eleitoral; a boa nova devia chegar-lhe na primeira mala do norte. Ora,
em boa razão, um homem que está prestes a ser inscripto nas tabuas do
parlamento, não póde cogitar muito dos amores de um rapaz, ainda que o
rapaz seja amigo e os amores verdadeiros.
 
Estevão não perdeu tempo em circumloquios; foi entrando e entornando a
alma toda, afflicta e consolada a um tempo, no seio do velho amigo e
companheiro. A cada trecho da confissão plena que elle alli lhe fez,
respondia um commento, ora serio, ora gracioso de Luiz Alves. Quando
Estevão porém lhe deu noticia de que a familia da baroneza ia para a
roça, Luiz Alves recolheu o meio-riso que lhe pousava nos labios desde
começo, e com a mais subita e sincera admiração exclamou:
 
--Para a roça!
 
--Disse-o agora mesmo a baroneza.
 
--Mas...
 
Luiz Alves não acabou; olhou ainda meio duvidoso para Estevão, e ficou
algum tempo calado, a coçar o queixo com a faca de marfim e a olhar
para uma gravura que pendia na parede fronteira.
 
--Na situação em que estou, continuou Estevão, has de dizer que a
viagem é uma felicidade para mim. Pois não é; não admitto a viagem. Se
ella sair da côrte, eu saio também.
 
--Tu estás doudo!
 
--Talvez.
 
Luiz Alves saiu daquella natural indifferença com que o ouvia, e lhe
falava sempre em tal assumpto. Falou-lhe carinhoso,--talvez pela
primeira vez na vida. O que lhe disse foi apenas ume edição augmentada
de que lhe havia dito em anteriores occasiões,--agora com maior
fundamento, porque depois do formal desengano de Guiomar, não havia
outro recurso mais que ir esquecel-a de todo.
 
--Oh! isso nunca! interrompeu Estevão. Demais, não sei, não estou certo
se ella falava de coração naquella tarde...
 
A candidez com que Estevão disse isto era a fiel traducção de seu
espirito, e a razão de taes palavras, não a procure o leitor em outra
parte mais que não seja aquelle sorriso de ha pouco, ao pé do carro,
sorriso que lhe bailava no cerebro, como raio de sol coado por entre
nuvens negras de tempestade.
 
Luiz Alves sacudiu a cabeça e enfiou os olhos pelas folhas rabiscadas
de uns autos que tinha diante, e que entrou a folhear vagarosamente.
Subito, bateu uma pancadinha, com a mão espalmada sobre os papeis, e
levantou a cabeça:
 
--Ha um meio talvez de saber tudo, disse elle, de saber se ella
verdadeiramente te ama, ou... Posso tenta-lo, com uma condição.
 
--Qual?
 
--A condição de eliminares as tuas pretenções. Que diabo ganhas tu em
nutrir uma paixão sem efficacia nem remedio?
 
Esta promessa era a mais dura que se podia arrancar de um coração,
em que as gerações de esperanças se succediam quasi sem solução de
continuidade; fel-a, todavia, Estevão, talvez com a secreta resolução
de a trahir.
 
Luiz Alves ficou só dahi a alguns minutos. As ultimas palavras que
disse ao collega foram duas ou tres pilherias de rapaz; mas apenas
ficou só tornou-se serio, e inclinando o corpo para a frente, com os
braços na secretaria, e a raspar as unhas com um canivete, alli esteve
largo tempo, como a reflectir, longe de Estevão, que aliás já não ía
perto, e ainda mais longe dos autos que tinha diante de si. Mas em que
pensava elle, se não era em Estevão, nem nos autos, nem tambem, por
agora, nas suas esperanças eleitoraes Paciencia, leitor; sabel-o-has
daqui a nada. Contenta-te com a noticia de que, ao cabo de vinte
minutos daquella abstracção, Luiz Alves volveu a si, proferindo em alta
voz esta simples palavra:
 
--Não ha duvida; é uma ambiciosa.
 
E descativado daquella preoccupação, enterrou-se de todo na leitura dos
autos.
 
 
 
 
XII
 
 
A viagem.
 
 
Mal recomeçára Luiz Alves a leitura dos autos, entrou no gabinete o
criado apresentando-lhe um bilhete de visita.
 
--Que entre! disse o advogado lendo o nome do sobrinho da baroneza.
 
E logo se ouviu no corredor o passo medido e lento do mancebo, que
d'ahi a nada assomava á porta do gabinete, fazendo uma cortezia,
sisuda, mas graciosa.
 
--Venho incommoda-lo, doutor? perguntou Jorge.
 
--Pelo amor de Deus! exclamou o advogado erguendo-se e indo buscal-o
á porta. Não me incommodaria em caso nenhum; agora, sobretudo, que a
leitura de uns papeis me fatigou sobre maneira, a maior fortuna que eu
poderia desejar é a presença de um homem de espirito.
 
Jorge agradeceu este comprimento um pouco emphatico, e retribuiu-o com
outra lisonjaria muito mais extensa e de maior alcance. Quer dizer que
elle vinha pedir alguma cousa. Effectivamente, passados os minutos de
introito e desfiadas as generalidades, Jorge impertigou-se mais do que
até alli estivera e desfechou esta pergunta abrupta:
 
--Sabe que venho pedir-lhe uma cousa grave?
 
Luiz Alves inclinou-se.
 
--Grave e simples ao mesmo tempo, continuou o sobrinho da baroneza; mas
antes disso precisava saber se é tão amigo da nossa familia, como ella 

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