2016년 9월 22일 목요일

a mao e luva 14

a mao e luva 14


Oh! de certo!
 
--O senhor é o menos assiduo, talvez, das pessoas que lá vão, apezar de
visinho; só agora o vejo alli mais a miudo; entretanto é como flor que
se trahe pelo aroma; minha tia tem a seu respeito a melhor opinião do
mundo; acha-lhe uma gravidade, e eu tambem a sinto, e nem comprehendo
que um homem possa ser outra cousa. Os taes espiritos futeis...
 
--São insupportaveis, concluiu Luiz Alves ancioso por chegar ao objecto
da visita.
 
O objecto era a viagem da baroneza. Um commendador, amigo do finado
barão, e fazendeiro em Cantagallo, tinha promessa da viuva, havia dous
annos, de ir lá passar algum tempo. A baroneza esquivara-se sempre
a cumprir a palavra dada; agora porém, tal fora a insistencia, que
se resolvera a ir. Ora, o que Jorge vinha propor era--, expressões
delle,--uma conjuração de amigos para dissuadir a tia daquelle
projecto. Affiançava ao advogado que, ainda descoberta a conjuração,
teria elle a vida sã e salva.
 
Luiz Alves suppoz a principio que aquillo era um simples pretexto; mas,
tendo observado que a bella Guiomar não era indifferente ao rapaz,
comprehendeu que este tinha na conjuração proposta, um interesse
inteiramente pessoal. Emfim, Jorge chegou a confessar que, se a tia
insistisse em sair da côrte, elle não tinha remedio senão acompanha-la.
 
O accôrdo não foi difficil; ficou assentado que fariam todos os
esforços para dissuadir a baroneza. Jorge quiz sair logo; reteve-o Luiz
Alves algum tempo mais, com expressões de louvor habilmente tecidas e
mais habilmente encastoadas na conversação; e tambem deixando-se ir á
feição do espirito delle, acceitando-lhe as ideias e os preconceitos, e
applaudindo-os discretamente,--serio, quando elles o eram ou pareciam
ser,--chocarreiro quando vinham com ar de graça,--respondendo emfim a
todos os gestos e meneios do outro, como faz o espelho por officio e
obrigação:--toda a arte em summa de tratar os homens, de os attrahir e
de os namorar, que elle aprendera cedo e que lhe devia aproveitar mais
tarde na vida publica.
 
De noite foi Luiz Alves á casa da baronesa, onde poucas pessoas havia,
todas de intimidade. A dona da casa, sentada na poltrona do costume,
tinha ao pé de si uma senhora da mesma edade que ella, egualmente
viuva, e defronte as suiças brancas e aposentadas de um ex-funccionario
publico. N'um sophá, viam-se Mrs. Oswald e Jorge a conversarem em
voz, ora muito baixa, ora um pouco mais elevada. Adiante, dous
moços contavam a duas senhoras o enredo da ultima peça do Gymnasio.
Mais longe, uma moça da visinhança gabava a outra a tesoura de Mme.
Bragaldi, que pedia meças, dizia ella, ao pincel do scenographo, seu
marido. Emfim, junto a uma das janellas via-se uma mocinha, viva e
bonita, a dizer mil ninharias graciosas a outra pessoa, que era nada
menos que a nossa conhecida Guiomar. A conversa, assim dividida,
tornava-se ás vezes geral, para recair logo no particularismo anterior;
os grupos modificavam-se tambem de quando em quando, do mesmo modo que
o assumpto, e assim se iam matando agradavelmente as horas, que não
resistiam, coitadas, nem apressavam o passo um minuto sequer.
 
Luiz Alves aggregara-se ao grupo da baroneza, ao qual não tardou
juntar-se Jorge. O advogado teve a discrição de esperar que o assumpto
viesse de si, se viesse, ou de o introduzir na conversa, quando lhe
parecesse de feição. Mas Jorge, que estava impaciente, arrastou o
assumpto ao debate. Luiz Alves, mostrou-se fiel á palavra dada;
declarou amavelmente que se oppunha á viagem, como visinho e amigo,
que reclamaria em ultimo caso o auxilio de força publica; que era um
erro e um crime deixar aquella casa viuva da benevolencia e da graça e
do gosto e de todas as mais qualidades excellentes que alli iam achar
os felizes que a frequentavam; que, emfim, o mal era tamanho, que não
deixaria de ser peccado, posto não viesse apontado nos cathecismos,
e como peccado, seria de força punido, com amargas penas, no outro
seculo, pelo que, e o mais dos autos, era sua decisão que a baroneza
devia ficar.
 
Todas estas razões foram ditas como deviam de ser, de um modo galante e
folgazão, a que a baroneza respondia egualmente, e que não daria nada
mais de si, se Luiz Alves, mudando de estylo, não fosse pôr o assumpto
em differente terreno.
 
--Digamos a verdade, Sra. baroneza, a viagem ha de ser-lhe immensamente
incommoda, se for so isso; suas forças não são de certo eguaes ás de
seus primeiros annos; sua saude é melindrosa e não poderá soffrer tanta
fadiga. Confesso que falo em nome de certo interesse pessoal de amigo
e de visinho; mas a principal razão não é essa. Se houvesse um motivo
urgente, bem; mas tratando-se apenas de uma promessa feita ha tanto
tempo, seria crueldade da minha parte não insistir que ficasse.
 
A baroneza defendia-se, e Luiz Alves não tardou em reconhecer de si
para si que ella não se defendia com o vigor de uma resolução original
e propria. A conversa, entretanto, tornára-se mais geral; de todos os
lados partiam votos de opposição.
 
Guiomar havia já alguns minutos que não attendia á interlocutora;
tinha o ouvido afiado e assestado sobre o grupo da madrinha. Ninguem
a observava; mas é privilegio do romancista e do leitor ver no rosto
de uma personagem aquillo que as outras não veem ou não podem ver.
No rosto de Guiomar podemos nós ler, não só o tedio que lhe causava
aquella opinião unanime contra o projecto da baroneza, mas ainda a
expressão de um genio imperioso e voluntario.
 
--Estamos de accordo, creio eu? perguntou Luiz Alves olhando
alternadamente para a baroneza e as outras pessoas.
 
--Não é possível, doutor, respondia a boa senhora.
 
--De certo que não é possível, interveiu Guiomar do lugar onde estava.
A viagem não offerece risco, nem minha madrinha está invalida. Demais,
é uma promessa feita; não se pode deixar de cumprir.
 
Esta opinião, dita em tom sêcco e firme, ainda que a voz nada perdesse
do seu natural avelludado, equivaleu a um pouco de agua fria lançada na
fervura triumphante dos animos.
 
--Guiomar tem razão, disse a baroneza; já agora é preciso ir; são
apenas tres ou quatro mezes.
 
Luiz Alves olhou longamente para Guiomar, como a procurar ver-lhe
no rosto todas antecedencias da resolução da baroneza. A opposição
afrouxara; Jorge chamou em vão o advogado em seu auxilio. A resolução
da tia, se alguma vez fora abalada, tornara-se outra vez firme.
 
Guiomar, entretanto, erguera-se e chegara ao grupo da madrinha. Jorge
fitou-a com uma expressão de vaidade e cobiça. Luiz Alves, que se
achava de pé, recuou um pouco para deixal-a passar. Os olhos com que
a contemplou não eram de cobiça nem de vaidade; a leitora, que ainda
lembrará da confissão por elle mesmo feita a Estevão, supporá talvez
que eram de amor. Talvez,--quem sabe?--amor um pouco socegado, não
louco e cego como o de Estevão, não pueril e lascivo, como o de Jorge,
um meio termo entre um e outro,--como podia havel-o no coração de um
ambicioso.
 
--O Dr. Luiz Alves defende causas más, disse Guiomar sorrindo para
elle; não se trata de uma cousa impossivel. Quanto a mim, Cantagallo
só tem um inconveniente; sera menos divertido que a côrte; mas o tempo
passa depressa...
 
--Nesse caso, disse Jorge suspirando eu tambem dispenso theatros e
bailes; sacrifico-me á familia.
 
--Queres ir comnosco? perguntou a baroneza alegremente.
 
--Que duvida!
 
Guiomar mordeu o labio inferior, com uma expressão de despeito, que
pôde conter e abafar, sem que ninguem a percebesse, ninguem, excepto
Luiz Alves. Um sorriso tranquillo e perspicaz roçou os labios do
advogado, em quanto a moça, para esconder a impressão que lhe ficara,
de novo se dirigiu á janella, onde esteve alguns momentos sósinha, meia
voltada para fóra e meia guardada pela sombra que alli fazia a cortina.
Um rumor de passos fel-a voltar-se para dentro. Era Luiz Alves.
 
--Ah! disse ella fingindo-se tranquilla; agradeço-lhe não haver
insistido mais nos seus conselhos.
 
--A intenção era boa, respondeu Luiz Alves em voz baixa; mas será agora
excellente; nem tudo está perdido: eu me incumbo de salvar o resto.
 
Guiomar franziu a testa com o mais vivo e natural espanto; tal
espanto que parecia havel-a feito esquecer outro sentimento,
igualmente natural:--o do despeito que lhe causaria aquella singular
familiaridade. Mas o assombro dominou tudo; Guiomar sentiu que elle
lera nella a razão da insistencia e o desgosto do resultado.
 
A ruga desfez se a pouco e pouco, mas a moça não retirou logo os olhos.
Havia nelles uma interrogação imperiosa, que a alma não se atrevia
a transmittir aos lábios. Se ha nos do leitor alguma interrogação,
esperemos o capitulo seguinte.
 
 
 
 
XIII
 
 
Explicações.
 
 
Luiz Alves comprehendera toda a expressão dos olhos de Guiomar; era,
porém, homem frio resoluto. Inclinou o busto com toda a graça correcta
e de bom tom, e disse-lhe na voz mais branda que lhe permittia o seu
orgão forte e severo:
 
--Parece-lhe que fui um pouco audaz, não é? Fui apenas sincero; e ainda
que a sua delicadeza me condemne, estou certo de que ha em seu coração
misericordia de sobra...
 
Guiomar tinha readquirido toda a posse de si mesma.
 
--Está enganado, disse ella, não o condemno, pela simples razão de que
o não entendi.
 
--Tanto melhor, redarguiu Luiz Alves sem pestanejar; o meu delicto
nesse caso não passou da esphera da intenção.
 
--Mas... referia-se á viagem?
 
--Referia-me; perguntava quando iam.
 
Esta presença de espirito de Luiz Alves ia muito com o genio de
Guiomar; era um laço de sympathia. A moça respondeu que o commendador
viria buscal-as dahi a quinze ou vinte dias.
   

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