2016년 9월 22일 목요일

a mao e luva 7

a mao e luva 7


Os dias correram alternados de confiança e desanimo, tecidos de ouro e
fio negro, um lutar de todas as horas, que acabou como era de prever e
devia acabar. O coração levou Estevão atraz de si.
 
Nenhum meio, dos que tinha á mão, lhe esqueceu para ver Guiomar. As
janellas da casa estavam quasi sempre desertas. Duas ou tres vezes
aconteceu vel-a de longe; ao approximar-se-lhe, sumira-se o vulto na
sombra do salão Não perdia theatro; mas só duas vezes teve o gosto de
a ver: uma no Lyrico, onde se cantava _Somnambula_, outra no Gymnasio,
onde se representavam os _Parisienses_, sem que elle ouvisse uma nota
da opera, nem uma palavra da comedia. Todo elle, olhos e pensamento,
estava no camarote de Guiomar. No Lyrico foi baldada essa comtemplação;
a moça não deu por elle. No Gymnasio, sim; o theatro era pequeno;
comtudo, antes não fôra visto, tão tenazmente deviou ella os olhos do
logar em que elle ficára.
 
Nem por isso deixou Estavão de ir esperal-a á saida, collocar-se
francamente no seu caminho, sollicitar-lhe audazmente os olhos e
attenção. A familia desceu da 2a ordem pela escada do lado de S.
Francisco; a estreiteza do logar era excellente. Dava o braço á
baroneza um moço de vinte e cinco annos, figura elegante, ainda que um
tanto affectada. Desceram todos tres e ficaram á espera do carro alguns
minutos. Na meia sombra que alli havia destacava-se o rosto marmoreo
de Guiomar e a gentileza de seu talhe. Seus grandes olhos vagavam pela
multidão, mas não fitavam ninguem. Ella possuia, como nenhuma outra, a
arte de gozar, sem as ver, as homenagens da admiração publica.
 
Irritado com a indifferença da moça, vagou Estevão toda aquella noite,
a sós com o seu despeito e o seu amor, tecendo e destecendo mil planos,
todos mais absurdos uns que outros. A taça enchera de todo; era mister
entornal-a no seio de um amigo, de um amigo que houvesse nas suas mãos
o unico remedio que elle nessa occasião pedia;--a chave daquella porta.
Luiz Alves era esse homem.
 
--Outra vez caido! exclamou elle rindo quando Estevão lhe contou tudo.
Eu já o havia percebido. Isto de mulheres... Queres então que te leve
lá?
 
--Quero.
 
Luiz Alves reflectiu alguns intantes.
 
--E uma viagem, não te seria bom fazer uma viagem? Já sei o que me vás
dizer; mas tambem não te proponho uma viagem de recreio, á Europa.
Olha, arranjo-te, se queres, um logar de juiz municipal...
 
A proposta era sincera; Estevão cuidou ver-lhe uma ponta de zombaria
e ergueu os hombros com enfado. A proposta, entretanto, merecia ser
examinada; era uma carreira, e vinha de um homem que estava a entrar na
vida politica, que esperava dahi a algumas semanas o resultado de uma
eleição, com a certeza, ou quasi, de haver triumphado. Era influencia
que nascia, e de força viria a crescer. Mas para Estevão, naquella
occasião, toda a carreira publica, influencia, futuro, leis, tudo
estava nos olhos castanhos de Guiomar.
 
--Eu amo-a, disse elle emfim, isto para mim é tudo. Póde bem ser
que tenhas razão; talvez me espere algum grande desgosto; mas são
reflexões, e eu não reflicto agora, eu sinto...
 
--Em todo o caso, acudiu Luiz Alves, desempenho o meu dever de amigo;
digo-te que vocês não nasceram um para outro; que, se ella te não amou
naquelle tempo, muito menos te amará hoje, e que emfim...
 
Luiz Alves estacou.
 
--Emfim? perguntou Estevão.
 
--Emfim pedes-me um sacrificio, concluiu rindo o advogado, por que
também eu já a namorisquei... Não é preciso carregares o sobr'olho; foi
namoro de visinho, tentativa que durou pouco mais de vinte e quatro
horas. Com vergonha o digo, ella não me prestou uma migalha de attenção
sequer, e eu voltei aos meus autos.
 
--Então... gostas della? perguntou Estevão.
 
--Acho-a bonita e nada mais. Aquillo foi um lançar barro á parede; se
acceitasse, casava-me; não acceitou...
 
--Já vês que somos differentes.
 
--Queres, então?...
 
--Um serviço de amigo.
 
--Bem, disse por fim Luiz Alves, faça-se a tua vontade. A baroneza vai
cuidar agora de um processo e mandou-me falar. Eu passo-te a prebenda;
entrarás alli, como advogado, o que de alguma maneira me tira um peso
da consciência.
 
Estevão, que só pedia um pretexto, acceitou a offerta com ambas as
mãos, e agradeceu-lh'a com tão expansiva ternura, que fez sorrir o
outro.
 
A promessa cumpriu-se pontualmente. Luiz Alves apresentou Estevão
á baroneza, na seguinte noite, como seu companheiro e amigo, como
advogado capaz de zelar os interesses da illustre cliente. A recepção,
foi geralmente boa, salvo por parte de Guiomar, que pareceu aborrecida
de o ver naquella casa. Quando Estevão a saudou, como quem a conhecia
de longo tempo, ella mal pode retribuir-lhe o cumprimento; em todo o
resto da noite não lhe deu palavra. Daquella parte o acolhimento não
podia ser peior; mas Estevão sentia-se feliz, desde que vel-a, respirar
o mesmo ar, nada mais pedindo por ora, e deixando o resto á fortuna.
 
De todas as pessoas de casa da baroneza, a primeira que reparou na
indifferença com que Guiomar tratára Estevão, foi Mrs. Oswald. A sagaz
ingleza afivellou a mascara mais impassivel que trouxera das ilhas
britannicas e não os perdeu de vista. Nem da primeira nem da segunda
vez viu nada mais que os olhos delle, que sollicitavam os della, e
os della que pareciam surdos. Havia de certo uma paixão, solitaria e
desattendida.
 
--Sabe que descobri um namorado seu? perguntou ella alguns dias depois
a Guiomar.
 
Guiomar fez um gesto de estranheza.
 
--Entendamo-nos, observou a ingleza; não digo que a senhora o namore
também; digo que é elle quem anda apaixonado. Não adivinha?
 
--Talvez.
 
--O Dr. Estevão.
 
Guiomar fez um gesto de desdem.
 
--Vejo que tinha adivinhado, disse Mrs. Oswald; também não era
difficil. Quem tem alguma pratica destas cousas fareja uma paixão a
cem legoas de distancia, por mais que ella busque recatar-se dos olhos
estranhos. Os namorados geralmente suppõem que ninguem os vê; é uma
lastima. Olhe, da senhora posso eu jurar que não está namorada de
pessoa nenhuma.
 
--Que sabe disso? perguntou Guiomar deitando os olhos para o espelho de
seu guarda vestidos. Pois estou, mas de mim mesma.
 
Mrs. Oswald desatou a rir, de um riso grave e pausado. Ella sabia que
a moça tinha orgulho de suas graças; era bom caminho affagar-lhe o
sentimento. Disse-lhe muita cousa bonita, que não vem para aqui, e
concluiu pondo-lhe as mãos nos hombros, encarando-a fito a fito, a
emfim rompendo nestas palavras, meias suspiradas:
 
--A senhora é a flor desta sua terra. Quem a colherá? Alguem sei eu que
a merece...
 
Guiomar ficou séria, e desviou brandamente as mãos da ingleza,
murmurando:
 
--Mrs. Oswald, falemos de outra cousa.
 
 
 
 
VII
 
 
Um rival.
 
 
Não era a primeira vez que Mrs. Oswald alludia a alguma cousa que
desagradava a Guiomar, nem a primeira que esta lhe respondia com a
sequidão que e leitor viu no fim do capitulo anterior. A boa ingleza
ficou séria e calada alguns dous ou tres minutos, a olhar para Guiomar,
apparentemente buscando interrogar-lhe o pensamento, mas na realidade
sem saber como sair de situação. A moça rompeu o silencio:
 
--Está bom, disse ella sorrindo, não vejo razao para que se zangue
commigo.
 
--Não estou zangada, acudiu promptamente Mrs. Oswald. Zangada porque?
Pêza-me, de certo, que a natureza me não dê razão, e que uma alliança
tão conveniente, para ambos, seja repellida pela senhora; mas se isto é
motivo de desgosto, não pode sel-o de zanga....
 
--Desgosto?
 
--Para mim.... e naturalmente para elle.
 
Guiomar respondeu com um simples sacudir de hombros, sêcco e rápido,
como quem se lhe não dava do mal ou não acreditava nelle. Mrs. Oswald
não atinou qual destas impressões seria, e concluiu que fossem ambas. A
moça, entretanto, pareceu arrepender-se daquelle movimento; travou das
mãos da ingleza, e com uma voz ainda mais doce e macia que de costume,
lhe disse:
 
--Veja o que é ser creança! Não parece que ainda em cima me zango com a
senhora?
 
--Parece.
 
--Pois não é exacto. Isto são caprichos de menina mal educada. Dei para
não gostar que me adorem... Minto; disso gósto eu; mas quizera que me
adorassem somente, não lhe parece?
 
E Guiomar acompanhou estas palavras com uma risadinha mimosa e uns
gestos de creança travêssa, que destoavam inteiramente da sua gravidade
habitual.
 
--Já sei, gosta de uma adoração como a do Dr. Estevão, silenciosa e
resignada, uma adoração..
 
E Mrs. Oswald, que, como boa protestante que era, tinha a Escriptura na
ponta dos dedos, continuou por este modo, accentuando as palavras:
 
Uma adoração como a que dev                         

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