2016년 9월 22일 목요일

a mao e luva 8

a mao e luva 8



A ultima palavra aquietou, o animo de Guiomar; ella tinha cedido ao
impulso do seu caracter altivo, mas a razão veiu depois, e o coração
tambem, que não era mau. A ingleza, que possuía longa pratica da vida
e sabia ceder a tempo, uniu o gesto á palavra e chamou-a com os braços
para si. Guiomar deixou-se ir, um pouco de má vontade, e a conversa
teria acabado alli, se Mrs. Oswald não lhe dissesse com a mais doce voz
que daquella garganta podia sair:
 
--Convença-se de que eu sou importuna e indiscreta por affeição, e
que a felicidade desta familia é toda a ambição da minha alma. Não
pode haver intenção melhor do que esta. Um conselho ultimo,--ultimo se
me não consentir mais falar-lhe nisto;--eu creio que a senhora sonha
talvez de mais. Sonhará uns amores de romance, quasi ímpossiveis?
digo-lhe que faz mal, que é melhor, muito melhor contentar-se com a
realidade; se ella não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a
vantagem de existir.
 
Guiomar cravara desta vez os olhos no chão, com a expressão vaga
e morta de quem os apagou para as cousas externas. As palavras de
Mrs. Oswald responder-lhe-hiam acaso a alguma voz intima? A ingleza
proseguiu na mesma ordem de ideias, sem que ella a interrompesse ou
desse signal de si. Quando ella acabou, Guiomar estremeceu, como se
acordasse; levantou a cabeça, e lenta, e commovida, proferiu esta unica
resposta:
 
--Talvez tenha razão, Mrs. Oswald, mas em todo o caso os sonhos são tão
bons!
 
Mrs. Oswald abanou a cabeça e saiu; Guiomar acompanhou-a com os olhos,
a sorrir, satisfeita de si mesma, e a murmurar tão baixo que mal a
ouvia o seu proprio coração:
 
--Sonhos, não, realidade pura.
 
Supponho, que o leitor estará curioso de saber quem era o feliz ou
infeliz mortal, de quem as duas trataram no dialogo que precede, se
é que já não suspeitou que esse era nem mais nem menos o sobrinho da
baroneza,--aquelle moço que apenas de passagem lhe apontei nas escadas
do Gymnasio.
 
Era um rapaz de vinte e cinco a vinte e seis annos. Jorge chamava-se
elle; não era feio, mas a arte estragava um pouco a obra da natureza.
O muito mimo empece a planta, disse o poeta, e esta maxima não é só
applicavel à poesia, mas tambem ao homem. Jorge tinha um lindo bigode
castanho, untado e retesado com excessivo esmero. Os olhos, claros e
vivos, seriam mais bellos, se elle não os movesse com affectação, ás
vezes feminina. O mesmo direi dos modos, que seriam faceis e naturaes,
se os não tornasse tão alinhados e medidos. As palavras saíam-lhe
lentas e contadas, como a fazer sentir toda a munificencia do autor.
Não as proferia como as demais pessoas; cada syllaba era por assim
dizer espremida, sendo facil ver ao cabo de alguns minutos, que elle
fazia consistir toda a belleza da elocução nesse alongar do vocabulo.
As ideias orçavam pelo modo de as exprimir; eram chochas por dentro,
mas traziam uma codea de gravidade pesadona, que dava vontade de ir
espairecer o ouvido em cousas leves e folgazãs.
 
Taes eram os defeitos apparentes de Jorge. Outros havia, e desses, o
maior era um peccado mortal, o setimo. O nome que lhe deixara o pae, e
a influencia da tia podiam servir-lhe nas mãos para fazer carreira em
alguma cousa publica; elle, porém, preferia vegetar á toa, vivendo do
peculio que dos paes herdára e das esperanças que tinha na affeição de
baroneza. Não se lhe conhecia outra occupação.
 
Não obstante os defeitos apontados, havia nelle qualidades boas: sabia
dedicar-se, era generoso, incapaz de malfazer, e tinha sincero amor á
velha parenta. A baroneza, pela sua parte, queria-lhe muito. Guiomar e
elle eram as suas duas affeições principaes, quasi exclusivas.
 
Tal era a pessoa cujos interesses defendia Mrs. Oswald, por amor da
baroneza, e não menos de si propria. A baroneza tambem tinha os seus
sonhos, como ella mesma disse, e esses eram deixar felizes aquellas
duas crianças. Jorge pela sua parte estava dispóto a estender o collo
ao sacrificio; e, bem examinadas as cousas, talvez amasse sinceramente
a moça. A differença entre elle e Estevão é que o seu amor era tão
medido como os seus gestos, e tão superficial como as suas outras
impressões.
 
Do que ahi fica dito, facilmente comprehenderá o leitor que, dos dous
namorados, só um percebeu logo o sentimento do outro. A alma de Estevão
andava-lhe nos olhos, enchendo-os de maneira que elle não podia ver
nada mais além de Guiomar.
 
Ao cabo de duas semanas a situação de Estevão podia dízer-se menos
má; na opinião delle era excellente. A baroneza soube quem elle era;
Guiomar contara-lhe tudo; mas a ingleza, não menos que a observação
propria, lhe mostrou que nenhum perigo corria Guiomar, e excluido o
perigo, restavam as boas qualidades do bacharel, que de todo lhe caiu
em graça. Mrs. Oswald navegou nas mesmas aguas mansas. O proprio Jorge,
naturalmente por que confiava em si, não temeu do rival, e pouco tardou
que lhe abrisse os cancellos da sua gravidade. Que admira, pois, que a
mesma Guiomar afrouxasse um pouco da primeira rigidez?
 
Aquelle bom rapaz tinha a salutar crendice da esperança, em que muita
vez se resumem todas as bençãos da vida. Pedia muito, como alma
sequiosa que era, mas bem pouco bastava a contental-o. A imaginação
multiplicava os zeros; com um grão de areia construiria um mundo. A
affabilidade de uns e a cortezia de outros, tanto bastou para que
elle se julgasse quasi no termo de suas aspirações; e posto não lhe
désse Guiomar uma só das animações de outro tempo,--que aliás tão
frageis eram, ainda assim acreditou elle piamente que o amor nascia, ou
renascia, naquelle rebelde coração.
 
Guiomar, no meio das affeições que a cercavam, sabia manter-se superior
ás esperanças de uns e ás suspeitas de outros. Egualmente cortez, mas
egualmente impassível para todos, movia os olhos com a serenidade
da isenção, não namorados, nem sequer namoradores. Ella teria, se
quizesse, a arte de Armida; saberia refrear ou aguilhoar os corações,
conforme elles fossem impacientes ou tibios; faltava-lhe porém o
gosto,--ou melhor, sobrava-lhe o sentimento do que ella achava que era
a sua dignidade pessoal.
 
 
 
 
VIII
 
 
Golpe.
 
 
Um dia de manhã accordou Estevão com a resolução feita de dar o golpe
decisivo. Os corações frouxos tem destas energias subitas, e é proprio
da pusilanimidade illudir-se a si mesma. Elle confessava que nada havia
feito, e que a situação exigia alguma cousa mais.
 
--Nunca as circumstancias foram mais propicias do que hoje, pensava
o rapaz; Guiomar trata me com affabilidade de bom agouro. Demais, ha
nella espirito elevado; ha de reconhecer que um sentimento discreto e
respeitoso, como este meu, vale um pouco mais do que lisonjarias de
sala.
 
A resolução estava essentada; restava o meio de a tornar affectiva.
Estevão hesitou largo tempo entre dizer de viva voz o que sentia ou
transmittil-o por via do papel. Qualquer dos modos tinha para elle mais
perigos que vantagens. Elle receiava ser frio na declaração escripta ou
incompleto na confissão oral. Irresoluto e vacillante, ambos os meios
adoptou e repelliu, a curtos intervallos; emfim, deferiu a escolha para
outra occasião.
 
O acaso suppriu a resolução, e o premeditado cedeu o passo ao fortuito.
 
Uma tarde, havendo algumas pessoas a jantar em casa da baroneza, foram
passear á chacara. Estevão que, como Luiz Alves, era dos convivas,
affastou-se gradualmente dos outros grupos, e approximou-se daquella
cerca historica onde, após dous annos de ausencia e esquecimento, vira,
ja transformada, a formosa Guiomar. Era a primeira vez que elle punha
os olhos nesse sitio, depois da conversa, que ahi tivera com ella. A
commoção que sentiu foi naturalmente grande; resurgia-lhe o quadro ante
os olhos, a hora, o ceu brilhante, o doce alento da manhã, e por fim a
figura da moça, que alli appareceu, como a alma do quadro, trazendo-lhe
recordações, que elle julgava mortas, esperanças que suppunha
impossiveis.
 
Estevão curvou a cabeça ao doce peso daquellas memorias, a alma bebeu,
a largos haustos, a vida toda que a imaginação lhe creava e talvez a
noite o tomasse na mesma attitude, se a voz maviosa de Guiomar, lhe não
dissesse a poucos passos de distancia:
 
--Sr. doutor, perdeu alguma cousa?
 
O rapaz volveu rapidamente a cabeça, e viu a moça, que atravessava
uma das calhes proximas, a olhar e a sorrir para elle. Estevão sorriu
tambem, e com uma presença de espirito assaz rara em namorados,
sobretudo em namorados como elle era, promptamente respondeu:
 
--Não perdi nada, mas achei uma cousa.
 
--Vejamos o que foi.
 
E Guiomar approximou-se, a passo firme e seguro, e Estevão, sem muito
vacillar, alli mesmo forjou uma reflexão philosophica a respeito de
um insecto que casualmente passava por cima de uma folha secca. A
reflexão não valia muito, e tinha o defeito de vir um pouco forçada e
de acarreto; a moça sorriu, entretanto, e ia continuar o seu caminho,
quando elle, colhendo as forças todas, a fez deter com estas palavras:
 
--E se eu tivesse achado outra cousa?
 
--Ainda mais! exclamou ella voltando-se risonha.
 
Estevão deu dous passos para Guiomar, desta vez commovido e resoluto. A
moça fez-se seria e dispoz-se a ouvil-o.
 
--Se eu tivesse achado neste logar, continuou elle, longos dias de
esperança e de saudade, um passado que eu julgára não reviver mais, uma
dor occulta e medrosa, vivida na solidão, nutrida e consolada de minhas
próprias lagrimas? Se eu tivesse achado aqui a pagina rota de uma
historia começada e interrompida, não por culpa de ninguem na terra,
mas da estrella sinistra da minha vida, que um anjo mau accendeu no
ceu, e que, talvez, talvez ninguem nunca apagará?
 
Estevão calou-se e ficou a olhar fixamente para Guiomar.
 
Aquella declaração repentina e rosto a rosto estava tão longe do
temperamento do rapaz, que ella gastou alguns segundos longos primeiro
que

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